Próximo Plano Nacional de Educação precisa priorizar todas as etapas

Os dados do Censo Escolar 2024, divulgados pelo MEC (Ministério da Educação) em abril, nos mobilizam a pensar qual a ambição de nosso país para a educação básica. Com o PNE (Plano Nacional de Educação) vigente (2014-2024) chegando ao fim, o censo surge como uma bússola, apontando progressos, estagnações e expectativas para o próximo plano. Mais do que nunca, é hora de mirar alto em termos de metas de qualidade e equidade para a educação.
Segundo o censo, a educação em tempo integral cresceu, aproximando-se da meta do PNE de 25% das matrículas e 50% das escolas nessa modalidade. Em 2024, 22,9% das matrículas na rede pública estavam nessa modalidade, contra 18,2% em 2022. Na creche, o índice chegou a 59,7%, e no Ensino Médio, a 23%. Porém, na pré-escola, apenas 15,6% das crianças de quatro e cinco anos tinham tempo integral, e nos anos finais do Fundamental, o aumento foi pequeno, de 19% para 20,9%. Esses resultados apontam que ainda persiste uma desigualdade entre etapas.
Tratar o tempo integral como um luxo é ignorar seu papel na redução das desigualdades. Elevar de quatro ou cinco para sete horas diárias permite projetos interdisciplinares, atividades práticas, culturais e esportivas, e um acompanhamento mais próximo dos estudantes. Isso é fundamental tanto na pré-escola, considerando essa etapa como estratégica para a aprendizagem das etapas seguintes, quanto nos anos finais, quando os alunos vivem os desafios e oportunidades do início da adolescência.
Países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com média de sete horas diárias de aula, mostram que esse tempo é um fator-chave para melhorar os desempenhos educacionais. A pesquisa "Cada Hora Importa", do Itaú Social, que analisou dados de bases nacionais, mostrou que, ao final de 14 anos de vida, adolescentes de famílias mais ricas já têm cerca de 7 mil horas a mais de aprendizagem comparados aos seus pares das famílias com menos renda. Por isso, o próximo PNE precisa estabelecer metas específicas por etapa, evitando que algumas delas fiquem à margem do avanço.
O Censo 2024 trouxe uma boa notícia: o aumento de matrículas no Ensino Médio, possivelmente reflexo do retorno de jovens que abandonaram os estudos. No entanto, a trajetória dos estudantes dos anos finais merece atenção porque há uma tendência preocupante de quedas de matrículas. Essa etapa é marcada por dificuldades de aprendizagem, repetência e evasão, questões que o PNE atual tratou de forma genérica, sem diferenciar os anos iniciais dos finais.
Para o futuro, é fundamental que o novo plano tenha metas com foco em aprendizagem, permanência e qualidade da trajetória, incluindo diminuição da reprovação, repetência e abandono escolar entre o 6º e 9º ano. Vivemos um momento oportuno. Pela primeira vez o país conta com uma iniciativa federal, ainda que com recursos restritos, especificamente voltado para os anos finais do Fundamental: o programa "Escola das Adolescências". Estados e municípios já começaram a olhar mais para essas etapas e o PNE pode reforçar esse movimento com incentivos e prioridades bem definidas para os próximos dez anos.
Na educação infantil, há progressos e alertas. A pré-escola está quase universalizada, com 5,3 milhões de matrículas - a meta é 5,4 milhões -, mas o tempo integral é limitado. Muitas crianças saem da creche, em que a oferta é integral, e vão para um turno parcial. É uma transição que interrompe a continuidade de uma educação mais completa, o que precisa ser enfrentado no próximo PNE. Essa etapa, muitas vezes ofuscada entre a creche e o Ensino Fundamental, é estratégica para reduzir desigualdades e demanda metas que garantam equidade. A "quase" universalização dessa etapa, mas mantendo-a em tempo parcial, não pode ser celebrada como conquista final. A ampliação do tempo integral na pré-escola deve ser priorizada nas agendas das prefeituras e dos governos estaduais, que têm o papel de apoiar as redes municipais responsáveis por ela, especialmente aquelas com menos recursos.
Os desafios de cumprimento das metas que se encerram não devem ser motivo para reduzir expectativas para as próximas. O Censo 2024 mostra que, apesar dos avanços, ainda há muito a fazer em relação ao acesso, permanência e qualidade com equidade. E, justamente por isso, o novo plano precisa manter metas destemidas, construídas com diálogo entre governo federal, estados, municípios e a sociedade. Elas podem funcionar como o horizonte necessário para o investimento em recursos e políticas públicas, e o monitoramento constante será essencial para ajustar o rumo ao longo dos próximos dez anos.
O próximo PNE deve lançar um olhar atento para a pré-escola e os anos finais do Fundamental, para que seus desafios não fiquem escondidos em médias e em metas consolidadas para a Educação Infantil e o Ensino Médio. É uma oportunidade que não podemos desperdiçar.
*Patricia Mota Guedes é superintendente do Itaú Social, mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e em Administração Pública pela Universidade de Massachusetts Amherst, graduada em Ciências Políticas pela Universidade do Arizona do Norte.
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