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'Você já viu CPI dar em alguma coisa?', diz presidente da Alesp

Felipe Souza e Renata Mendonça

05/05/2016 13h16

Em meio à polêmica envolvendo a suspeita de superfaturamento na compra de merenda escolar para o ensino público no Estado de São Paulo, estudantes da rede estadual paulista voltaram a ocupar escolas - desta vez, unidades técnicas, como o Centro Paula Souza, no centro da capital - para pressionar o governo pela investigação do esquema e reivindicar distribuição de merenda em toda a rede pública do governo paulista.

Mas, desde terça-feira, a estratégia dos estudantes se estendeu para a Assembleia Legislativa do Estado (Alesp). Um grupo de estudantes entrou no prédio para protestar contra os deputados e pedir a abertura da chamada "CPI da merenda" - e, desde então, não saíram de lá.

O presidente da Alesp, Fernando Capez (PSDB), um dos principais alvos de críticas dos estudantes - e citado na investigação da "máfia da merenda" -, disse à BBC Brasil não acreditar que uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) seria o caminho certo para investigar as supostas irregularidades na compra de merendas.

"Você já viu CPI dar em alguma coisa? CPI apurar alguma coisa? Fizemos uma CPI aqui dos pedágios, não deu nada", disse ele à BBC Brasil.

Ele disse ainda que a ação dos secundaristas seria uma tentativa de fazer "uma pirotecnia política" como reação ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

O escândalo da merenda é investigado na Operação Alba Branca do Ministério Público de São Paulo e diz respeito a uma possível fraude na compra de alimentos para as merendas escolares no Estado. Há suspeitas sobre contratos supostamente superfaturados com creches e escolas públicas de mais de 20 cidades paulistas desde 2014.

A proposta de CPI existe na Casa desde janeiro, mas ainda não foi levada adiante. As reuniões da Comissão de Educação e Cultura que discutiriam uma possível abertura da comissão não conseguiam quórum o suficiente, e o assunto acabava não indo para a pauta. Atualmente, a CPI tem 25 assinaturas a seu favor, faltando sete para dar prosseguimento ao processo.

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil - Como o senhor vê essa ocupação dos estudantes na Assembleia Legislativa?

Fernando Capez - É uma ação claramente política, que tem como único objetivo produzir efeitos políticos, desgaste de imagem, e é uma reação ao que está acontecendo em Brasília, com o possível acolhimento da denúncia de impeachment contra a presidente Dilma (Rousseff). Há uma estratégia de trazer confusão para o Estado de São Paulo. Isso está dentro dessa programação.

BBC Brasil - A principal reivindicação dos estudantes é que seja instaurada a CPI da Merenda. O que o senhor responde a eles sobre isso?

Capez - Em 27 de janeiro, eu assinei o pedido da CPI e pedi abertura de investigação no tribunal. Venho conversando com deputados da base e da oposição para que haja a convocação de agentes públicos na questão da educação e para que haja assinaturas da CPI. A gente está caminhando nesse sentido de maneira que, no dia em que houve a invasão, estimulada por um deputado da oposição, já estava se chegando em um acordo e havia sido determinada a convocação pela comissão de educação de funcionários públicos. Essa invasão não tem por objetivo obter a CPI, ela tem por objetivo produzir uma ação de pirotecnia política contra aquilo que está acontecendo em Brasília.

BBC Brasil - Se a orientação do senhor e do partido (PSDB) é de que a CPI seja criada, por que a base aliada não está assinando a abertura da CPI?

Mas você já viu CPI dar em alguma coisa? CPI apurar alguma coisa? Fizemos uma CPI aqui dos pedágios, não deu nada

Fernando Capez, presidente da Assembleia Legislativa do Estado

Capez - Você tem 94 deputados, cada deputado representa milhares de pessoas. Eu não tenho ascendência, nem poder para mandar sobre nenhum deputado. Agora eu tenho todo interesse na CPI porque a minha investigação está andando a passos lentos e eu tenho interesse em produzir provas. Mas você já viu CPI dar em alguma coisa? CPI apurar alguma coisa? Fizemos uma CPI aqui dos pedágios, não deu nada. Então evidentemente que o que a base e os deputados ponderam é que a CPI seria usada apenas para produzir resultados políticos com pouquíssima eficiência no campo da investigação.

BBC Brasil - O senhor disse que abrir CPI não resolve a questão da merenda. O que precisa ser feito, então, para que esse caso seja esclarecido?

Capez - Eu tenho 30 anos de vida pública e o meu nome foi citado da maneira mais irresponsável e criminosa possível. Eu acho que primeiro deveriam explicar o que significa a expressão "máfia da merenda", é uma expressão vazia de conteúdo e sem nenhum respaldo na realidade. Trata-se de um contrato de novembro de 2014 pra fornecimento de suco de laranja pra rede estadual e prefeituras. Um contrato no valor de RS$ 12 milhões, que equivale a 0,001% do orçamento do Estado.

Foi feito um chamamento, teve disputa, teve competição, o primeiro colocado ganhou, forneceu, não deu conta, chamaram o segundo colocado para complementar o fornecimento. O pago pelo Estado foi inferior ao valor de 2013. O Estado não sofreu prejuízo nenhum. O Estado recebeu o suco em boas condições e forneceu esse suco sem interferência de ninguém, muito menos minha, e no entanto usa-se essa expressão "máfia da merenda", como se quisesse dizer alguma coisa.

Pra tentar dizer que aqui em São Paulo se pega dinheiro de comida de criança para tentar equivaler aos R$ 80 bilhões desviados da Lava Jato, o que é uma mentira. O problema de fornecimento de merenda nas escolas é problema econômico, orçamentário e que está levando a rompimento de contrato do Estado com os municípios.

Eu digo, até em tom apelativo: quero que a investigação que eu pedi para abrir pelo Ministério Público avance, ela está parada, quero que as testemunhas sejam ouvidas. O Ministério Público até agora colheu um depoimento só, não me forneceu e vazou trechos do depoimento para imprensa.

O meu interesse é que essa investigação caminhe. Tem que acelerar alguma coisa, ou a apuração feita na justiça, ou a CPI ou a comissão de educação. O que não pode é estarem tratando de maneira tão irresponsável e criminosa o meu nome para produzir objetivos de natureza política muito além da minha pessoa.

BBC Brasil - O senhor pediu a reintegração de posse para tirar os estudantes do prédio. Como está sendo o diálogo com os estudantes?

Capez - Eu já recebi a comissão com diálogo, já recebi a oposição com diálogo, só que é feito um diálogo aqui, aí saem e falam exatamente o contrário na imprensa. Então que interesse existe em dialogar? O interesse existe em produzir o fato político. É ingenuidade supor que o diálogo vai resolver, eles querem ficar aqui (na Alesp) o maior tempo possível para produzir um dano de natureza política.

BBC Brasil - De acordo com o que o senhor está dizendo, o movimento dos estudantes está sendo político? Uma manobra da oposição?

Capez - (É um movimento) Político-partidário-eleitoral provocado por alguns, não todos, membros da oposição que vêm aqui conversar comigo de um jeito, fazem elogios, conversam, e aí saem da porta da Presidência para falar exatamente o contrário.

Por exemplo, nós estamos proibindo de usar o batalhão de choque, que eu não permiti a entrada aqui, nós estamos tentando conversar com os estudantes para irem desocupando aos poucos e por isso nos não permitimos a entrada de pessoas no prédio para evitar rodízio de manifestantes.

Aí já disseram que isso é uma manobra pra evitar a CPI. Que CPI que não tem assinatura? Manobra para evitar a CPI é a invasão, essa sim é uma manobra pra evitar a CPI, porque ela estava caminhando para as assinaturas, mas enquanto a casa fica paralisada, não se pode ter assinatura.