O Primo Basílio na Imprensa Brasileira do Século XIX

O presente pela luz do passado

Valentim Facioli

O romance O Primo Basílio (1878) de Eça de Queirós, completando a provecta idade de 130 anos, não parece hoje em dia dotado da força literária e social despertada quando foi publicado. Pode-se dizer que está mesmo longe de ser visto como uma obra-prima da Língua Portuguesa. O tempo amorteceu seu impacto. O "bólide revolucionário" das letras, que ele pareceu ser, não causou, contudo, nenhuma grande cratera e nem removeu montanhas.

Esse quadro, algo melancólico de sua atualidade, pouco tem de semelhante com o grande debate ocorrido nas camadas letradas de Portugal e Brasil quando o romance saiu naquele ano já longínquo. A excelente pesquisa e interpretação do prof. José Leonardo do Nascimento demonstra o quase terremoto literário ocorrido então.

Jornais e revistas dos dois países publicaram em 1878/79 variados artigos, resenhas, comentários, favoráveis ou contrários ao romance. Travou-se um acalorado debate, de notáveis proporções, entre os letrados. O livro de José Leonardo demora-se principalmente com a imprensa brasileira, conquanto revele também ecos da portuguesa.

Trata-se de uma minuciosa e primorosa pesquisa de fontes, trabalho dos mais meritórios para reconstituir a situação literária e mental do nosso glorioso Império tropical e periférico. Éramos inclusive periferia de Portugal. O livro está dividido em duas partes. A primeira analisa, sob o título irônico de "A severidade da crítica e os hábitos da terra", as posições manifestas dos nossos letrados (crítica, jornalistas, escritores e público em geral) através de 10 tópicos, os quais justificam o subtítulo do livro: "Estética e história". O quadro que emerge dessas linhas gerais, cuidadosamente pintado, revela com nitidez quem eram e como eram nossos avós espirituais. Ele nos dá alguma medida do que poderíamos vir a ser, como somos, para o bem e para o mal.

A segunda parte do livro de José Leonardo, denominado modestamente "Apêndice", reproduz os principais textos publicados na imprensa brasileira na época sobre o romance de Eça. Através dessa preciosa documentação o leitor pode conhecer a melhor medida do que então se escreveu e inclusive confrontar a leitura que o autor fez de tudo isso. Aí poderá decidir se a leitura foi boa e pertinente, e aprender bastante sobre nosso passado intelectual e social do século dezenove.

Pensando que salvar a memória do passado é conhecer o fundamento do processo histórico, suas transformações, seus resultados e os modos pelos quais nossa modernização continua emperrada e tão problemática, esse livro é uma contribuição valiosa. Ajuda, especialmente no âmbito literário, por exemplo, a esclarecer muito da presença grandiosa de Machado de Assis e do peso (pesado antes e muito relativo agora) de Eça de Queirós em nossa formação literária.

 

O Primo Basílio na Imprensa Brasileira do Século XIX

Estética e História

José Leonardo do Nascimento

Editora Unesp

312 págs.

Fonte: é professor aposentado de Literatura Brasileira na USP. Orienta mestrado e doutorado. Autor de Um defunto estrambótico - análise e interpretação das Memórias póstumas de Brás Cubas, Nankin Editorial/Edusp, 2ª edição, 2008

UOL Cursos Online

Todos os cursos