Lupicínio Rodrigues Cantor e compositor brasileiro
16 de setembro de 1914, Porto Alegre, RS (Brasil)
27 de agosto de 1974, Porto Alegre, RS (Brasil)
Lupicínio Rodrigues nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em um bairro pobre da cidade, a Ilhota, no dia 16 de setembro de 1914. Chovia tanto que o córrego próximo da sua casa inundou, obrigando a parteira a chegar lá de barco. Seus pais, Francisco e Abigail, tiveram 21 filhos - e Lupicínio foi o quarto.
Francisco era funcionário público e mandou Lupicínio para a escola logo aos cinco anos de idade. Dizem que o menino se distraía muito cantando na sala de aula e que, por essa razão, teve de parar os estudos, para retomá-los dois anos mais tarde. Enquanto cursava o primário e o ginasial (correspondentes ao atual primeiro grau), trabalhou como aprendiz de mecânico.
Aos catorze anos, ele compôs sua primeira música, "Carnaval", para um cordão chamado Prediletos. Precocemente, já freqüentava a boemia e suas amigas inseparáveis: as bebidas e as serenatas. O pai não gostou e o obrigou a se alistar no Exército, aos quinze anos, como "voluntário".
Em 1933, ele foi transferido para Santa Maria, cidade do interior do estado, e promovido a cabo. Lá, conheceu Iná, que se tornaria uma grande musa inspiradora de sua obra. A relação chegou ao noivado, durando cinco anos, mas acabou porque a família da moça não aceitou a vida boêmia que Lupicínio levava.
Lupi, como era chamado pelos amigos, continuou cantando e compondo. Como cantor, sua maior influência era Mário Reis. E, como compositor, Noel Rosa, que ele chegou a conhecer em 1932. "Esse garoto vai longe", disse Noel, depois de ouvir Lupicínio cantar.
Em 1935, Lupicínio Rodrigues deu baixa do Exército e voltou para Porto Alegre, onde foi trabalhar como bedel na Faculdade de Direito. No mesmo ano, venceu um concurso musical da prefeitura, em comemoração ao centenário da Revolução Farroupilha, com a canção "Triste história", uma parceria com Alcides Gonçalves, que a gravou em 1936, junto com "Pergunte aos meus tamancos", outro samba da dupla.
O sucesso
A consagração veio em 1938, com "Se acaso você chegasse", que revelou também a voz de Ciro Monteiro. O samba estabeleceu a parceria com o compositor e pianista Felisberto Martins. Como ele morava no Rio e trabalhava em gravadora (tornou-se diretor da Odeon), Lupicínio Rodrigues o incumbiu de divulgar músicas suas em troca de parceria.
Lupicínio jamais deixou Porto Alegre. Somente por alguns meses, em 1939, viveu no Rio. Cantou, então, para Francisco Alves, que passou a gravá-lo e tornou-se um dos seus principais intérpretes. O chamado Rei da Voz transformou em sucessos "Nervos de aço", em 1947, "Esses moços" e "Quem há de dizer", em 1948, e "Cadeira vazia", em 1950.
Para o cantor Orlando Silva, Lupicínio deu, em 1947, as canções "Brasa" e "Zé Ponte". Nesse mesmo ano, Lupi obteve projeção nacional com "Felicidade", na gravação do conjunto Quitandinha Serenaders. Em 1949, Lupicínio se casou com a gaúcha Cerenita Quevedo Azevedo. No fim da década de 1940, o compositor abriu uma churrascaria, o primeiro de uma série de bares e restaurantes com música ao vivo que ele viria a ter - uma forma de reunir o trabalho com o que ele mais amava: a boemia.
No início da década de 1950 sua obra ganhou uma importante intérprete: a paulista Linda Batista. Em 1951, ela estourou com o samba-canção "Vingança", talvez o maior sucesso do compositor. No ano seguinte, Lupicínio Rodrigues gravou seu primeiro álbum como cantor: "Roteiro de um boêmio". E, em 1959, compôs o hino oficial do Grêmio Futebol Porto-alegrense. No mesmo ano, a canção "Ela disse-me assim" inaugurou com sucesso a série de gravações que Jamelão faria das músicas de Lupi.
Em 1960, uma regravação que Elza Soares fez de "Se Acaso Você Chegasse" transformou a música em um sucesso novamente. Nos anos seguintes, porém, o nome de Lupicínio caiu no esquecimento.
De tempos em tempos, contudo, Lupicínio Rodrigues é cantado, gravado ou homenageado. Em duas dessas vezes, na década de 1980, a regravação de suas músicas alcançou grande popularidade: "Nunca", na voz de Zizi Possi, e "Loucura", com Maria Bethânia. Entre os intérpretes que fizeram releituras de canções suas na década de 1990 estão Arnaldo Antunes e Adriana Calcanhoto.
O banal sem banalidade
Lupicínio é um dos compositores mais originais da música popular brasileira. Além das inúmeras qualidades do seu trabalho, ele se destacou como o criador da "dor-de-cotovelo". A expressão, graças a ele, passou a designar um estilo de canção que trata das desventuras amorosas, um tema sobre o qual Lupicínio foi um criador imbatível.
"Suas músicas podem lidar com o banal, mas não são banais", escreveu o poeta Augusto de Campos sobre ele. De fato, poucos foram capazes de tanta imprevisibilidade no âmbito da poesia da nossa música popular. De tanta força, fluência, precisão e contundência nos versos. "Eu não sei se o que trago no peito/ É ciúme, despeito, amizade ou horror;/ Eu só sei é que quando eu a vejo,/ Me dá um desejo de morte ou de dor": é o que diz Lupicínio num de seus sambas mais famosos, "Nervos de aço".
Imagens surpreendentes, verdadeiros achados, podem ser encontrados também em várias outras canções de sua autoria, que formam um dos conjuntos mais expressivos da música popular brasileira.
Em 1995, o filho de Lupicínio, Lupicínio Rodrigues Filho, organizou o livro "Foi Assim" (Editora L&PM), com uma seleção das crônicas publicadas por seu pai no jornal "Última Hora", de Porto Alegre, em 1962 e 1963. Na maior parte desses textos, o compositor conta a história das suas músicas: "Eu tenho sofrido muito nas mãos das mulheres, porque sou muito sentimental, mas também tenho ganhado fortunas com o que elas me fazem...", revelou ele numa das crônicas.
Dizem que, para compor, Lupi não usava nem o violão. Criava de maneira peculiar, assoviando. Assim, ergueu uma obra de cerca de uma centena e meia de canções gravadas. Fazia questão de dizer que todos os casos de amor que cantou foram verdade: "A minha vida". Lupicínio Rodrigues faleceu em Porto Alegre, RS, em 27 de agosto de 1974, aos 59 anos, com problemas no coração.
Fontes:
Lupicínio Rodrigues, por Carlos Rennó.
Lupicínio Rodrigues - entrevista concedida ao jornal "O Pasquim".