Você colocaria seu filho para estudar embaixo de uma árvore?

Daniel Cara

Daniel Cara

  • João Wainer/Folhapress

A discussão sobre a infraestrutura das escolas revela muito sobre a forma como cada um encara o debate educacional. Alguns ficam tão preocupados apenas em saber se os alunos aprenderam ou não o mínimo necessário, que não se preocupam em quais condições se dá o ensino. Infelizmente, para essas pessoas, impera a lógica de que para o filho do outro vale qualquer escola e qualquer educação.

Em primeiro lugar, é honesto apresentar a minha posição: concordando com a legislação nacional, embora ela esteja tão distante de ser efetivada, entendo que todo aluno tem o direito de estudar em uma escola adequadamente equipada. Concomitantemente, considero que todo professor também tem o direito de lecionar com os insumos pedagógicos necessários.

Recentemente, o UOL Educação noticiou uma pesquisa que aponta que menos de 1% das escolas brasileiras têm infraestrutura mínima, segundo os critérios do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), ou "ideal", no entendimento dos autores do estudo, diante do enorme atraso brasileiro.

O CAQi calcula quanto a educação pública custa por aluno ao ano, considerando salário inicial condigno, política de carreira e formação continuada aos profissionais da educação, número adequado de alunos por turma, além de insumos infraestruturais como: brinquedotecas, bibliotecas, quadra poliesportiva coberta, laboratórios de informática e laboratórios de ciências, etc.

Embaixo da árvore

Uma vez, em março de 2009, fui convidado pela Save the Children – Reino Unido a apresentar o CAQi na Universidade de Londres. Depois da minha explanação, em controlados 25 minutos, uma gestora do alto escalão do DFID (Departamento para o Desenvolvimento Internacional), a agência britânica que tem como missão "a promoção do desenvolvimento sustentável e eliminação da pobreza no mundo", discordou dos meus argumentos:

– Meu filho estuda em uma escola pública aqui de Londres. Ele era ótimo em natação. Mas, infelizmente, teve um professor ruim. Praticamente desaprendeu a nadar. Não são os insumos, o que importa é o professor.

Com calma e imbuído do melhor espírito democrático, respondi:

–Tem razão, o fator mais importante para a qualidade da educação é o professor. Ele, inclusive, precisa de boas condições de trabalho e isso são insumos. Mas, perceba: seu filho não nadaria se não houvesse uma piscina. Sem ela, aliás, ele nem desaprenderia a nadar, segundo você.

Em socorro de sua companheira de escritório, uma jovem do DFID insistiu:

– Na África, apoiamos ótimos professores ensinando embaixo de árvores, muitas vezes sem cadernos ou livros. Eles fazem um ótimo trabalho por lá. Acho que você não tem razão, insumos não são determinantes – concluiu ela.

A calma se foi:

– Como disse, o CAQi não contabiliza apenas infraestrutura, considera salário, carreira, formação – respirei. E emendei. – Mas se eu te perguntasse se você colocaria seu filho para estudar lá embaixo da árvore, provavelmente, por orgulho, ou por simples hipocrisia, você diria que sim, que colocaria. Estou certo? Mas quero propor outra questão: pergunte aos estudantes e aos professores africanos que vocês apoiam se eles aceitariam trocar a sombra daquela árvore por uma escola bem equipada de Londres. O que você acha que eles responderiam?

O silêncio tomou conta do auditório, quebrado em alguns eternos segundos depois por um estudante indiano. Encorajado, mesmo diante do desconforto reinante, disse concordar plenamente com minhas colocações. Como pesquisador do tema, elencou outros equívocos da política de cooperação do DFID, denominada por ele como um "arrogante e ineficaz projeto civilizador".

"Infraestrutura não altera qualidade da educação?"

Todo ano, algum pesquisador incauto apresenta dados que buscam comprovar: "a infraestrutura das escolas não altera a qualidade da educação". Como a opinião pública também se nutre pela repetição, vez ou outra me deparo com gestores ou professores que repetem irrefletidamente essa máxima.

Para provar o contrário, é possível trilhar muitos caminhos de natureza científica. Por exemplo, demonstrar que a qualidade da educação não pode ser mensurada apenas por testes de larga escala, como a Prova Brasil. Outra alternativa seria desconstruir as pesquisas econométricas a partir de sua própria lógica, apresentando suas incompletudes e equívocos metodológicos. Sem muita dificuldade, também seria possível comprovar que insumos são condições necessárias, mas não suficientes, para a qualidade da educação. O que é verdade.

Em outras palavras, qualquer percurso analítico nos levará ao fato: a infraestrutura adequada das escolas compõe um dos elementos para a qualidade da educação, não o único. Ou seja, as pesquisas praticam um costumeiro cinismo analítico: primeiro, evidenciam os insumos físicos como um fator educacional. E depois, ao isolá-los, dizem que sozinhos não interferem na qualidade do ensino. E essa não é uma conclusão honesta.

Embora fosse eficaz, o debate metodológico é hermético demais, pouco palpável. Proponho outra questão, de cunho social: por que a infraestrutura adequada das escolas é importante?

Em 2006, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação lançou o livro "Consulta sobre a qualidade da educação infantil: o que pensam e querem os sujeitos deste direito". A conclusão da pesquisa foi de que creches e pré-escolas agradáveis, com brinquedotecas, livros infantis e parquinhos aumentavam o repertório das crianças, estimulavam a participação dos pais e motivavam as educadoras e os educadores a cuidarem e ensinarem os alunos. Todos se sentiam respeitados.

Para serem respeitados como cidadãos, todos merecem uma escola digna, adequadamente equipada. Sejam os profissionais da educação ao redor do mundo, as crianças britânicas, africanas ou brasileiras, qualquer que seja sua classe ou origem social.

Sendo elemento constituinte do direito à educação, a infraestrutura não pode ficar subordinada ao desempenho nem dos alunos, nem dos professores. A qualidade do equipamento público deve ser encarada como um atributo inquestionável de cidadania. E sua importância reside exatamente ai: na "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola", conforme reza o primeiro princípio da educação nacional, disposto no artigo 206 da nossa Carta Magna.

Porém, como se sabe, não é isso o que acontece. Na matéria "Clico da pobreza", a Revista Educação apresentou dados do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) que trazem uma preocupante realidade: nas escolas onde mais de 50% dos alunos matriculados são beneficiários do Bolsa Família, a infraestrutura é inferior à média nacional, que está distante de ser aceitável. Ou seja, os filhos das famílias mais pobres, que já vivem em situação de vulnerabilidade, estudam em uma escola precária. E eles merecem uma escola bem equipada independentemente de irem bem ou mal na Prova Brasil, independentemente do resultado da sua unidade escolar no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

Daniel Cara

Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, bacharel em ciências sociais e mestre em ciência política pela USP.

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