PNE (Plano Nacional de Educação)

Méritos e contradições do PNE que vai a voto na Câmara

Daniel Cara

Daniel Cara

É imprescindível que na quarta-feira, dia 14 de maio, seja iniciada a votação final do Plano Nacional de Educação (PNE - Projeto de Lei 8035/2010) no plenário da Câmara dos Deputados. O texto que irá a voto foi apreciado pela Comissão Especial dedicada a analisar a matéria. Se os acordos forem cumpridos, o deputado Angelo Vanhoni (PT-PR) será mantido na relatoria.

Na quarta-feira o PNE terá completado 1.241 dias de tramitação, contabilizado seu registro na Câmara dos Deputados, em 20 de dezembro de 2010. O plano foi encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional em 15 de dezembro daquele ano, nos últimos dias do segundo mandato do presidente Lula.

A proposta que será analisada pelos 513 deputados e deputadas federais é extensa e bem melhor do que o projeto inicial elaborado pelo Ministério da Educação. Contudo, possui problemas e contradições.

Em termos de acertos, ficou comprovada a necessidade de investimento equivalente a 10% do PIB em educação pública, a ser alcançado até o décimo ano do PNE. Há bons mecanismos de controle social estabelecidos. Além disso, o país terá que construir e implementar o Sinaeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), superando a incompleta política de avaliação educacional em vigor, exclusivamente centrada nos testes padronizados de aprendizagem.

Ademais, para evitar o histórico e absurdo movimento inercial de expansão de matrículas no Brasil, sempre dissociado de padrão de qualidade, o PNE exige a implementação do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), referente a um padrão mínimo de qualidade do ensino, ainda tão distante de ser materializado em todo o território nacional. Para tanto, está prevista a participação da União (Governo Federal).

E se essas conquistas são importantes, a mais decisiva será a equiparação salarial da média de remuneração dos professores com a média dos demais profissionais do serviço público. O projeto original propunha, apenas, aproximar a média de remuneração, sem determinar em que medida isso se daria. A sociedade civil exigiu a equalização da média salarial, inclusive, como uma determinação de justiça. Saiu-se vencedora.

Se há muitos méritos no texto do PNE que vai a voto, graças à incidência da comunidade educacional que soube convencer os parlamentares até aqui, há alguns problemas graves a serem corrigidos em plenário.

Lista de problemas

O primeiro é a contabilização de parcerias público-privadas na meta dos 10% do PIB para a educação pública. O Estado brasileiro, por uma história de omissão, necessita hoje das matrículas ofertadas por creches e pré-escolas conveniadas, além das vagas em estabelecimentos de ensino técnico e superior privados. Contudo, é preciso deixar claro: todas essas matrículas não são públicas.

Embora alguns setores fiquem contrariados com o fato, público é sinônimo de estatal no Brasil por muitos motivos. O mais relevante é que as entidades privadas firmam parceria com o poder público, o que inclui a segurança do pagamento estatal, mas não aceitam se submeter ao controle social e às mesmas regras impostas aos equipamentos de educação infantil, ensino técnico e superior mantidos pelos governos. Aceitam os recursos, mas recusam as obrigações. Inexplicavelmente, isso tem sido aceito pelo poder público e pela sociedade brasileira.

Há ainda questões técnicas. O Fies é empréstimo, não pode ser contabilizado como custo equivalente a manutenção de matrículas, pois é esperado que o dinheiro emprestado retorne aos cofres públicos. O Prouni é renúncia fiscal, também não é correto que seja contabilizado, pois é um dinheiro que deixou de ser arrecadado, não investido.

Outra contradição foi a reinserção na Comissão Especial da estratégia 7.36, que estimula a remuneração de professores por resultados. Essa política salarial tem sido revogada ao redor do mundo. Os países anglo-saxões, idealizadores da medida, já perceberam que a razão mercantil é distinta da razão pedagógica, ou seja, aquilo que funciona para a produtividade empresarial não dá certo para o ensino e a aprendizagem em sala de aula.

Aos poucos, o mundo ocidental percebe que o segredo é seguir os escandinavos: o magistério exige uma boa política de carreira, iniciada por uma boa remuneração inicial e animada pela formação continuada, além das boas condições de trabalho aos profissionais da educação.

Por último, o fundamentalismo religioso não permitiu que o PNE se dedicasse, prioritariamente, ao combate às discriminações racial, de gênero e de orientação sexual, sem desconsiderar as demais. Andando pelo Brasil, percebo que a onda conservadora (no âmbito moral) está virando um tsunami. O texto do PNE é mais vítima desse fenômeno.

Há outros equívocos no PNE, mas os três que citei podem ser corrigidos no plenário, por meio de destaques. No caso dos demais, não há mais o que fazer no âmbito do Parlamento. É o caso, por exemplo, da equivocada redação da Meta 4, que trata da educação especial (primordialmente, para pessoas com deficiência), mas não na abordagem da educação inclusiva.

O PNE que irá para sanção não será perfeito, mas a sociedade civil e os parlamentares não podem abdicar de deixá-lo o melhor possível para a consagração do direito à educação. Em um ano eleitoral, aprimorar o PNE no plenário será uma operação difícil, mas insistir é necessário.

Daniel Cara

Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, bacharel em ciências sociais e mestre em ciência política pela USP.

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