Fábula - Animais dão lição de moral
"Quem conta um conto, aumenta um ponto". O ditado popular pode bem se referir à fábula, que, assim como a crônica e o enigma, é um tipo de narrativa.
A fábula é um texto narrativo curto utilizado desde há muito tempo para se opor à opressão, para criticar usos e costumes e mesmo pessoas. Para fugir da repressão que poderia haver por parte de quem fosse criticado, os autores usavam, muitas vezes, animais como personagens de suas histórias. A fábula apresenta um fundo moral e geralmente é utilizada com fins educativos. A moral das fábulas adquiriu vida própria transformando-se em provérbios - frases prontas, vindas do conhecimento popular, transmitidas de boca em boca e que encerram um certo ensinamento sob algum aspecto da vida.
Por se tratar de um gênero transmitido oralmente, as fábulas costumam ter muitas versões. A mesma história ganha roupagens diferentes, em épocas e regiões diferentes.
Essas histórias permitem que a humanidade construa explicações sobre o mundo: as manifestações da natureza, as relações entre as pessoas (seus defeitos, paixões e virtudes), as relações entre a humanidade e a natureza... Enfim, são histórias que nos permitem conhecer a nós mesmos.
Personagens tipo
As personagens numa fábula são chamadas de "personagens tipo", porque representam um modo de ser de um conjunto de pessoas, isto é, elas não são individualizadas. Leia, abaixo, três versões de uma fábula famosa: "A cigarra e as formigas", e encontre nelas exemplos clássicos de personagens-tipo: a cigarra, que representaria os vagabundos ou irresponsáveis em relação ao futuro; e a formiga, os trabalhadores.
Num belo dia de inverno as formigas estavam tendo o maior trabalho para secar suas reservas de trigo. Depois de uma chuvarada, os grãos tinham ficado completamente molhados. De repente aparece uma cigarra:
“Por favor, formiguinhas, me deem um pouco de trigo! Estou com uma fome danada, acho que vou morrer.”
As formigas pararam de trabalhar, coisa que era contra os princípios delas, e perguntaram:
“Mas por quê? O que você fez durante o verão? Por acaso não se lembrou de guardar comida para o inverno?”
“Para falar a verdade, não tive tempo”, respondeu a cigarra. “Passei o verão cantando!”
“Bom... Se você passou o verão cantando, que tal passar o inverno dançando”, disseram as formigas, e voltaram para o trabalho dando risada.
Moral: Os preguiçosos colhem o que merecem
("Fábulas de Esopo" - São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2004)
Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé dum formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas.
A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém.
Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro. Bateu: tique, tique, tique...
Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina.
"Que quer?", perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
"Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu..."
A formiga olhou-a de alto a baixo.
"E que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?"
A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois dum acesso de tosse.
"Eu cantava, bem sabe..."
"Ah!", exclamou a formiga recordando-se. "Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?"
"Isso mesmo, era eu..."
"Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraia e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora! Entre amiga, que aqui, terá cama e mesa durante todo o mau tempo."
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.
(Monteiro Lobato - Fábulas, São Paulo, Editora Brasiliense, 1966)
3) A cigarra e a formiga
Aquele que trabalha
E guarda para o futuro
Quando chega o tempo ruim
Nunca fica no escuro
Durante todo o verão
A cigarra só cantava
Nem percebeu que ligeiro
O inverno já chegava
E quando abriu os olhos
A fome já lhe esperava
E com toda humildade
À casa da formiga foi ter
Pediu-lhe com voz sumida
Alguma coisa pra comer
Porque a sua situação
Estava dura de roer
A formiga então lhe disse
Com um arzinho sorridente
Se no verão só cantavas
Com sua voz estridente
Agora aproveitas o ritmo
E dance um samba bem quente.
(Cordel: Severino José, São Paulo: Editora Hedra, 2004)
As escolhas linguísticas
O que muda nessas três versões? É o modo de contar a história, a roupagem cultural, a escolha de certas expressões linguísticas.
Na versão em cordel há um "toque brasileiro". Repare que a formiga diz à cigarra: "E dance um samba bem quente". Essa versão da fábula faz referência à literatura de cordel e a uma tradição de escrever essas histórias em forma de versos, como foi o caso do famoso fabulista francês, La Fontaine.
Na fábula de Esopo, há uma referência ao inverno que, na Europa, alcança temperaturas baixíssimas. Assim, o enredo, ao se referir a essa época do ano, enfatiza a necessidade da cigarra ter um lugar para se proteger. Há referência ainda à colheita do trigo, importante alimento naquelas paragens. Outro aspecto que pode ser ressaltado é a forma em que o narrador escolhe retratar a cigarra: humilde, pedindo ajuda para não morrer: "Por favor, amiguinhas".O uso da expressão de boa educação e o diminutivo são elementos de argumentação usados pela cigarra, na tentativa de ser simpática, para alcançar seu objetivo de ser acolhida.
Na versão de Lobato, o narrador toma o partido da cigarra: "jovem cigarra", "cansadinha", "pobre cigarra", "tique, tique, tique" (recurso de linguagem que indica a fragilidade da cigarra), "sem abrigo em seu galhinho seco", "metida em apuros", "manquitolando", "asa a arrastar", "triste mendiga suja de lama", "a tossir", "toda tremendo". Quem pode resistir a uma criatura assim?
Na versão de Severino José, como a fábula começa pela moral - em muitas versões, ela está ao final do texto-, o enredo tem o papel de confirmar o que já estava prenunciado nos dizeres da moral expressa nos versos iniciais.
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