Literatura de informação - O que se escrevia sobre a colônia
Diversos viajantes europeus que estiveram no país durante a colonização do Brasil, no século 16, registraram suas observações sobre a terra. Fizeram-no por obrigação profissional ou motivos pessoais. Assim, seus textos são basicamente depoimentos e relatos de viagem, com a finalidade de apresentar aos compatriotas um panorama do Novo Mundo.
Sob a forma de cartas, diários, tratados ou crônicas esses textos informativos foram escritos principalmente por portugueses e compõem o chamado Período de Informação, Literatura de Informação, ou Literatura Colonial, nas cronologias da literatura brasileira.
O primeiro texto da época é a célebre "Carta de achamento do Brasil", de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, D. Manuel 1º., escrita entre abril e maio de 1500, quando a frota de Cabral se preparava para deixar o Brasil, seguindo em direção á Índia. Nela, o escrivão da armada dá conta do descobrimento da terra, descrevendo seus aspectos físicos e os contatos com os nativos.
Da autoria dos portugueses, uma série de outras obras segue-se à carta de Caminha. Entre elas, podem-se destacar o "Diário da Navegação da Armada que foi à terra do Brasil", de Pero Lopes de Sousa, que narra minuciosamente a expedição de Martim Afonso de Sousa, em 1532, ou o "Tratado descritivo do Brasil em 1587", do senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa, que procura traçar um amplo panorama da Colônia, em seus aspectos históricos, geográficos e econômicos.
Índios, franceses e jesuítas
Europeus de outras nacionalidades que aqui estiveram também deixaram documentos importantes sobre o Brasil de então. É o caso de "Duas Viagens ao Brasil" (1557), do alemão Hans Staden, que descreve pormenorizadamente o modo de vida dos tupinambás, dos quais o autor foi prisioneiro em 1554.
Também se destacam "Viagem à Terra do Brasil", de Jean de Léry e "As Singularidades da França Antártica", de André Thevet, que documentam a tentativa de colonização francesa na baía da Guanabara comandada por Villegaignon.
Missionários jesuítas também estiveram no Brasil, a partir do primeiro Governo-geral. Seu objetivo principal era catequizar os índios, convertendo-os ao cristianismo, mas seu trabalho acabou ultrapassando os limites religiosos e interferiu em diversos aspectos da vida colonial, particularmente com a criação de escolas e vilas.
Os jesuítas também nos legaram obras sobre o período, como as "Cartas", de Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, os fundadores da cidade de São Paulo.
Esse conjunto de textos produzidos no Brasil ou apresentando a Colônia como tema nos permitiu o conhecimento de diversos fatos históricos da época. Em sua totalidade, as obras documentam os vários aspectos da implantação do processo colonial em território brasileiro. Nesse sentido, sua importância histórica é indiscutível: trata-se do relato dos acontecimentos pela perspectiva privilegiada de participantes ou testemunhas oculares.
Mas não se esgota aí a riqueza desses textos, em que também se podem encontrar valores estéticos, que os aproximam de textos literários.
Caráter literário
Dada sua finalidade principalmente informativa, a linguagem dos textos do século 16, em geral, não admite metáforas nem outros artifícios estéticos. Entretanto, o caráter narrativo da maioria das obras e a capacidade imaginativa dos autores contribuem para fazê-los superar o caráter utilitário dos relatórios burocráticos ou científicos.
Nas obras, a anedota, a aventura e a fantasia se misturam com as informações sobre a terra e os acontecimentos históricos, gerando narrativas com as quais o leitor não consegue deixar de se envolver, como num bom livro de ficção. O exemplo mais evidente é a obra de Hans Staden, repleta de peripécias e de episódios emocionantes, em que a vida do protagonista corre perigo.
Até numa carta de Anchieta podem-se encontrar, lado a lado, a expulsão dos franceses da Guanabara e as aventuras do padre para salvar índios cristianizados que caíram prisioneiros de uma tribo antropófaga. Sem falar em obras como a "História da Província de Santa Cruz", de Pero de Magalhães Gândavo, onde o aparecimento de um leão-marinho é narrado como se um terrível monstro marítimo viesse à terra para atacar a vila de São Vicente.
Estilo e deslumbramento
No que se refere à linguagem, podem-se encontrar nos textos do século 16 preocupações estilísticas semelhantes às dos prosadores portugueses do mesmo período. Um exemplo é a carta de Caminha. Homem erudito, ao dirigir-se ao rei o escrivão de Cabral estava atento aos padrões de elegância linguística da época. O cuidado com o estilo também está presente na já citada "História da Província de Santa Cruz", de Pero de Magalhães Gândavo, que foi estudioso da gramática portuguesa, tendo sido um dos primeiros a estabelecer suas normas num tratado.
Assim, as qualidades estilísticas se unem à criatividade e às manifestações de emoção dos autores, modificando o caráter informativo/utilitário dos textos do século 16 e neles revelando valores artísticos e literários. Esses valores são reforçados na medida em que os textos apresentam particularmente o deslumbramento e o entusiasmo do europeu diante da natureza exuberante dos Trópicos.
Sentimento nativista
Essas sensações são a base de um sentimento de afeto pelo território que veio a se desenvolver em seus habitantes. Manifestou-se gradualmente ao longo do século 16, até se transformar num modo de pensar, o Nativismo, que valorizava a Colônia, chegando mesmo a considerá-la como o futuro do Reino de Portugal. O Nativismo representou o estabelecimento dos conflitos de visão de mundo que permitiram diferenciar a mentalidade dos habitantes e nativos do Brasil, do pensamento dos reinóis, isto é, dos naturais do reino lusitano. Nesse sentido, foi um dos primeiros passos do povo do Brasil em direção à Independência e à construção da nacionalidade.
Apresentando-se deforma embrionária nos textos do século 16, o Nativismo tornou-se uma característica essencial das obras do Barroco e do Arcadismo, nossas primeiras escolas literárias, que se manifestaram respectivamente nos século 17 e 18, Vistos por essa ótica, a compreensão do desenvolvimento histórico da literatura brasileira no período colonial tem como pré-requisito o conhecimento dos textos informativos produzidos entre 1500 e 1600.
Influência sobre romantismo e modernismo
Mas não se esgota aí a sua importância para os estudos de literatura brasileira. Seus textos também repercutiram em muitos autores brasileiros dos séculos posteriores. Em meados do século 19, num momento histórico marcado pela necessidade de afirmar a nacionalidade recém-adquirida, os escritores do Romantismo, como Gonçalves Dias e José de Alencar vão pesquisar as origens do país nos textos quinhentistas.
Deles extraem a imagem do índio que utilizarão como personagem-símbolo da nacionalidade.
A primeira geração do Modernismo vai se debruçar sobre os textos do século 16 para propor uma nova noção de nacionalismo, que questionava satiricamente os padrões culturais europeus seguidos no Brasil. A carta de Pero Vaz de Caminha é ironizada no capítulo 9 (Carta prás Icamiabas) do "Macunaíma", de Mário de Andrade.
No livro "Pau-Brasil", Oswald de Andrade compôs vários poemas com frases extraídas dos autores do século 16, de modo a criar uma versão paródica do modo tradicional de narrar a história do Brasil.
Principais autores e obras
Assim, pode-se afirmar que os textos do século 16 apresentam interesse literário:
- por documentar o contexto histórico e cultural específico em que a literatura brasileira surgiu;
- pelas manifestações de criatividade e pelo cuidado estilístico;
- por apresentar a origem de características predominantes nas primeiras escolas literárias brasileiras, o Barroco e o Arcadismo;
- por servir de inspiração à literatura brasileira de épocas posteriores.
Os estudos de literatura brasileira consideram como seu objeto somente os textos escritos em português. Em sua "História Concisa da Literatura Brasileira", o professor Alfredo Bosi aponta os cinco autores e obras mais significativas do século 16. São eles:
- Pero Vaz de Caminha, "Carta do Achamento do Brasil" (1500);
- Pero Lopes de Sousa, "Diário da Navegação" (1530);
- Pero de Magalhães Gândavo, "Tratado da Terra do Brasil" e "História da Província de Santa Cruz, a que Vulgarmente Chamamos Brasil" (1576);
- Fernão Cardim, "Narrativa Epistolar" (1583) e os "Tratados da Terra e da Gente do Brasil" (data incerta);
- Gabriel Soares de Sousa, "Tratado Descritivo do Brasil em 1587".
Para completar o quadro da literatura brasileira no século 16, porém, não se pode deixar de olhar com mais atenção para a obra do padre José de Anchieta que, paralelamente ao trabalho religioso, desenvolveu uma constante atividade literária.
Escreveu numerosos autos teatrais com finalidade de catequese, e uma grande quantidade de poemas, em português, espanhol, tupi e latim, cujos méritos artísticos são reconhecidos pela crítica literária. Além disso, publicou um estudo linguístico intitulado "Arte da Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil" (1595).
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