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Aprendo mais que ensino, diz professor Jesus que leciona há 31 anos em SP

Jesus Matias de Melo dá aulas há 31 anos - Arquivo Pessoal
Jesus Matias de Melo dá aulas há 31 anos Imagem: Arquivo Pessoal

Marcelle Souza

Colaboração para UOL, em São Paulo

15/10/2016 05h16

Todos os dias em que Jesus Matias de Melo entra na escola, ele encontra novos desafios: alunos com dificuldades, perguntas cujas respostas nem sempre tem, interesses e histórias de vida diferentes.

Tem sido assim nos últimos 31 anos. Aos 70 de idade, o veterano e mais velho professor da rede municipal de São Paulo ainda se recorda da escolha que fez quando ocupava as carteiras da sala de aula.

“Quando tinha 12 anos, eu descobri que queria ser professor --e professor de português”, diz.

Eu sempre falo eu sou muito mais educando [aluno, aprendiz] do que educador

“Eu sempre falo eu sou muito mais educando [aluno, aprendiz] do que educador. Muitas vezes, eu tenho que buscar informações que não tenho. O professor não é um todo-poderoso, eu não sei nem 10% do que gostaria, mas tudo o que eu quiser eu tenho onde buscar”, explica.

De terça a sexta, ele bate ponto na Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Ezequiel Ramos Junior, no Itaim Paulista, zona leste da cidade, onde leciona língua portuguesa há 23 anos –comemorados na última quinta-feira (13).

De dia, ele ensina para a segunda etapa do ensino fundamental e, à noite, as aulas são para turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos).

“Por incrível que pareça, meu pai e minha mãe não sabiam ler e escrever, mas eu tinha uma coisa nata, eu me viciei em leitura, lia cordel, gibi”, conta o professor, que também é artista plástico, pesquisador da história do Itaim Paulista (ele mora no mesmo endereço desde 1957) e amante de música clássica.

Do interesse pela leitura, veio o sonho de ensinar.

Naquela época, pais e alunos valorizavam o professor. Ser professor era uma coisa importante. Feliz da família que tivesse um professor. Hoje, é ‘coitado’ Jesus Matias, professor há 31 anos

Antes de saber qual seria seu futuro, Jesus saiu aos 7 anos de Santana do Cariri, no Ceará, para morar em São Paulo com a família.

Depois do primário e do ginásio na capital paulista, teve que adiar o sonho de dar aulas por 16 anos, tempo que se dedicou com orgulho ao ofício da alfaiataria, para só depois concluir os cursos de letras e de pedagogia e ingressar na educação municipal.

Na década de 1970, conheceu na igreja uma futura professora que mudaria a sua vida --Maria José, sua mulher há 43 anos, com quem tem três filhos e dois netos. “Lembro que ela desceu para o salão paroquial e, nessa hora, o padre disse ‘aqui temos Maria José e Jesus’, a Sagrada Família”, lembra ele.

Novos tempos, o mesmo professor

Nesse longo percurso de carreira, Jesus acompanhou muitas mudanças na escola: as relações mudaram, o celular entrou em cena, mas o seu segredo são os olhos e ouvidos atentos aos alunos.

“Hoje o que mais temos são teóricos dizendo qual é a melhor maneira de atingir o conhecimento, a motivação, trabalhar com aluno, na teoria. Quero ver fazer isso numa sala de aula com 35 alunos, onde você tem apenas sete com condições desenvolver conteúdos específicos daquele ano”, diz.

“Eu sempre gostei de ler, desenhar, e levo tudo isso para a sala. Para mim, dar aula sempre foi uma coisa especial, eu me realizo. Modestamente, eu tenho condições de trazer qualquer assunto que eles se interessarem e transformar em uma aula de português”.

Às vezes eu chego com uma aula preparada mecanicamente, mas chego lá e muda tudo, porque é um processo dialógico, eu gosto disso

Segundo ele, os principais problemas hoje são o desinteresse dos alunos pela escola, as deficiências da rede pública, o uso do celular em sala e a falta de respeito de algumas famílias pelo professor.

E, apesar da paixão de Jesus pela profissão, seus dias de quadro negro podem estar com os dias contados: ele já entrou com o pedido de aposentadoria e espera que este ano seja o seu último ano letivo. “Eu vou parar porque a idade chega e já tem alguns amigos para ocupar as minhas aulas. É um ciclo, tem que dar continuidade”.

“Por todas as dificuldades que a gente possa ter, financeiras, de trabalho, penso que a sociedade não tem futuro sem um professor. Por mais que a tecnologia seja importante, o professor sempre vai ter o seu espaço e a sua posição de importância”, diz.