Escrever "Fora, Temer" na redação do Enem pode zerar prova; saiba por quê
Comuns nos protestos que antecederam e sucederam a consolidação do impeachment de Dilma Rousseff (PT) no Congresso, expressões políticas como “Fora, Dilma”, “Fora, Temer” e “Volta, Dilma” poderão zerar a nota do candidato que as utilizou na redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2016, no último dia 6.
É o que prevê o conjunto de orientações pedagógicas encaminhadas no último fim de semana pelo Cebraspe (Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e Promoção de Eventos), o consórcio aplicador do Enem, para as equipes de supervisores e avaliadores da redação do Enem.
O UOL teve acesso ao documento de 36 páginas – em nove delas, as orientações são específicas para a redação, que teve como tema, este ano, “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”, classificado pelo consórcio como “de fácil entendimento”.
Nas orientações para a correção, um dos itens diz respeito às “partes desconectadas do tema/assunto”. “Uma das preocupações do MEC/Inep são as redações que, propositalmente ou não, apresentam partes desconectadas do tema/assunto”, justifica o documento. Ele classifica as partes desconectadas em dois tipos: “(1) as que não levam, por esse motivo, à atribuição de nota zero e (2) as que levam, por esse motivo, à atribuição de nota zero.” O Inep atribuiu o caso a uma "calibragem do processo de correção [que] ocorre todos os anos".
No primeiro tipo, estão “alguns emoticons e palavras e expressões que fecham textos, como “Fim!” ou “The end”, bem como a identificação do participante por meio de assinatura ou nome.
Já entre as partes desconectadas que zeram a redação estão “inserções religiosas, como ‘Graças a Deus!’ ‘Obrigado, Senhor!’, ‘Alá seja louvado!’, ‘Namastê salamaleico!’ ‘Saravá’, ‘Ogum!’” e “pequenas frases, provérbios e ditados populares ou de fundo religioso ou político que não se encaixem na argumentação do texto”. Aqui, o documento cita as expressões “Cada um por si, Deus por todos!”, “Fora Fulano(a)!”, “Volta Fulano(a)!” e “Abaixo isso/aquilo!”.
Até ano passado, eram critérios para zerar a redação situações como recados para a banca avaliadora (pedindo nota, agradecendo ou mesmo hostilizando o avaliador, por exemplo), reflexões pessoais sobre o próprio desempenho na prova, trechos de outros textos que visassem a “desqualificar ou zombar do Exame” e trechos/expressões em língua estrangeira. Eles foram mantidos também para a correção deste ano juntamente com a vedação a expressões religiosas e políticas em situações de desconexão com o tema.
“Depende muito do bom senso do corretor”, diz ex-avaliador da Fuvest e do Enem
Para o professor Antonio Carlos Olivieri, que já atuou nas bancas de correção de redações da Fuvest e do próprio Enem, as orientações aos avaliadores devem ser entendidas como “alertas” aos alunos de que nem toda forma de expressão é permitida em um texto dissertativo argumentativo –como a redação do Exame.
“Um ano atrás, teve sujeito que escreveu receita de Miojo e até o hino do Palmeiras na redação do Enem. Atualizar essas orientações é alertar os alunos que, se inserirem coisas que não são adequadas ao tema e ao formato proposto, elas serão desconsideradas e poderão até levar a redação a ser zerada”, disse.
Indagado se as expressões religiosas mencionadas no documento poderiam ser usadas, de algum modo, conectadas ao tema da prova –o que, portanto, não a zeraria --, Olivieri definiu: “Por mais que a pessoa seja religiosa e ache expressões como ‘Graças a Deus!’ pertinentes, a redação não é o lugar para ela expressar a religiosidade –acho difícil, portanto, isso ter conexão com o tema, pois falamos especificamente de tolerância religiosa: levar a questão para o campo político, do mesmo modo, me parece se afastar do tema”, avaliou.
“Se o indivíduo quer gritar ‘Fora, Dilma’ ou ‘Fora, Temer’, ou o que quer que seja, que o faça, mas não na redação. E, a meu ver, não se trata de censurar o pensamento do aluno: é que isso é simplesmente inadequado e será desconsiderado na correção”.
Indagado se o uso dessas expressões como fator para zerar a redação é uma medida adequadamente rígida –uma vez que se poderia descontar pontos do candidato, em vez de zerar a redação --, Olivieri definiu que, na realidade, “é só uma regra clara, transparente, que visa evitar desvios tanto do autor da redação como também do corretor –que, sabendo dela de antemão, liga o sinal de alerta.”
“Na verdade, o Inep se resguardou de passar a vergonha que passou com as redações com Miojo e hino de futebol, mas, sim, depende muito da situação: pegar uma redação extremamente bem feita e, no final dela, um ‘fora, Temer’ se poderia considerar o resto do texto. Tem que ser analisada a capacidade do aluno de dissertar a respeito de um tema específico –e o adolescente, em geral, pode ser emocionalmente imaturo, ainda. De repente ele fez um texto bom, mas se exasperou no final e chutou o pau da barraca –aí depende muito do bom senso do corretor”, ponderou.
Inep atribui alterações a “calibragem do processo de correção”
Procurado, o Inep informou ter tomado por base uma amostra com 4 mil redações para a calibragem do processo de correção, mas negou que tenha encontrado, nela, “quaisquer referências às expressões ‘fora fulano’, ‘volta fulano’”. Em nota encaminhada ao UOL, porém, o órgão não explicou por que esse tipo de expressão, entre as possibilidades de natureza política, foi considerado.
“Essa calibragem do processo de correção ocorre todos os anos e ela precisa acontecer justamente nesse período que antecede a correção da prova, para orientar os corretores em seu trabalho”, diz o órgão, em nota, na qual salienta ainda que será usada para a correção das redações do Enem 2016 “a mesma matriz de referência adotada na edição de 2015”.
“Acrescente-se que, segundo o edital do Enem 2016, em seu item 14.9.5, a redação que apresente parte do texto deliberadamente desconectada com o tema proposto, será considerada ‘Anulada’. Portanto, mesmo não havendo referências às expressões ‘fora fulano’, ‘volta fulano’ nas amostras de redação consideradas para a calibragem, estas expressões se encaixariam no critério de anulação previsto pelo edital e também na matriz de referência”, finaliza o Inep.
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