Como cordéis estão sendo usados para debater questões sociais nas escolas
Os cordéis extrapolaram a tradicional exposição em varal ou barbante e passaram a ocupar um novo espaço: as salas de aula. Forma típica de expressão do Nordeste brasileiro, a literatura de cordel é conhecida por disseminar culturas e tradições populares locais.
Em produções mais atuais, os cordéis aparecem também com temáticas sociais, para falar sobre questões raciais e de gênero. É o caso das obras escritas por Jarid Arraes, 25. Nascida em Juazeiro do Norte, no Ceará, ela conta que começou a se aventurar no mundo dos cordéis ainda criança, lendo as obras feitas por seu pai e por seu avô.
Ela já publicou mais de 60 títulos de literatura de cordel. Os principais temas que aparecem em seus trabalhos são o machismo e a vida de mulheres negras, sobre os quais, segundo a autora, “infelizmente não aprendemos”.
“Acho que esses temas são urgentes. Ainda estamos caminhando devagar para que nossa sociedade se torne mais igualitária e penso que o cordel entra nesse quadro de uma forma muito bem encaixada”, ressalta.
Kelly Alves Sugiyama, 32, é uma das professoras que escolheu usar o cordel "Chega de Fiu-Fiu" em sala de aula. Na EMEF (Escola Municipal de Educação Fundamental) Pracinhas da FEB, a obra é utilizada para incentivar o debate sobre violência contra as mulheres.
Para a professora, é bastante claro como os alunos imediatamente se identificam com os temas, “especialmente as meninas e os que sofrem algum preconceito ou discriminação”. O ritmo desse tipo de literatura, segundo ela, também ajuda muito a chamar a atenção dos jovens.
“Os cordéis são bons para a aprendizagem porque podemos ver o que está acontecendo na nossa sociedade”, opina a aluna Mayara Marin, 14. Já Sara Cardoso, 14, acha que “a maioria dos livros não conta histórias sobre a discriminação, preconceito e até o respeito que devemos ter com todos”.
Poder de transformação
Tanto Jarid quanto Kelly dizem acreditar que, sem a discussão de temáticas como essas nas escolas, não há como esperar a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
“Essa é uma luta diária e difícil”, afirma Kelly. “É no ambiente escolar que as transformações podem acontecer, já que é nesse espaço, especialmente, que os alunos constroem suas identidades”, complementa a professora.
Para Jarid, a maior importância desse debate está em “desmentirmos grandes mentiras que muitas vezes nos foram ensinadas na própria escola”. “Muitos de nós aprendemos que os negros se conformavam com a escravidão, o que não é verdade: sempre houve luta, centenas de quilombos, lideranças que enfrentaram o racismo de frente, heroínas como Tereza de Benguela, Aqualtune, Maria Aranha, Tia Ciata, Zeferina e tantas outras que estavam na linha de frente”, argumenta.
Saber as contribuições históricas e sociais que foram feitas por pessoas negras e pelos países africanos, segundo a autora, também ajuda a fazer com que as crianças enxerguem o mundo de forma menos racista. “Elas podem se espelhar nessas pessoas, podem se reconhecer como negras, encarar isso de uma forma positiva e bonita, promover aceitação."
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