Como ler livros:

Um guia clássico para a leitura inteligente

Dida Bessana

Quando Mortimer Jerome Adler (1902-2001), um dos mais importantes filósofos da educação norte-americanos do século 20,decidiu, aos 14 anos, abandonar a escola, foi trabalhar no jornal New York Sun porque seu sonho era ser jornalista.

Três anos depois, inscreveu-se em um curso de extensão na Columbia University porque pretendia aprimorar sua escrita e, assim, estar mais capacitado para exercer a profissão que escolhera. Entretanto, seu contato com a obra de grandes pensadores, como São Tomás de Aquino e John Stuart Mill e, sobretudo, a impressão que os Diálogos de Platão lhe causaram fizeram-no querer ser filósofo.

Matriculou-se então na mesma universidade e dedicou-se seriamente aos estudos, completando os créditos de quatro anos em apenas três e impressionando os professores com a qualidade de seus textos. No entanto, por ter-se recusado a frequentar as aulas de ginástica e não fazer a prova final de natação, embora tenha concluído a graduação, não pôde receber seu diploma de bacharel, relata Timothy P. Ross, no obituário de Adler no site da Universidade. Esse fato, entretanto, não impediu que fosse convidado a lecionar Psicologia nessa mesma instituição e, em 1928, recebesse seu Ph.D.

Dois anos depois, a convite do reitor Robert Hutchins, Adler se transferiu para a Universidade de Chicago, onde deu início a seu grande projeto de reformulação do ensino nos Estados Unidos, desenvolvendo um currículo para os cursos de graduação em ciências humanas baseado exclusivamente na leitura dos clássicos. Para ele, um dos pilares, não só da democracia norte-americana, desde os pais fundadores, mas da formação do cidadão era a leitura, a qual passou a tratar de forma sistemática, incentivando-a de várias formas. Uma delas deu origem a um de seus mais conhecidos livros, dentre os mais de 50 que escreveu ao longo da carreira: How to read a book: the classic guide to intelligent reading.

Lançado originalmente no primeiro semestre de 1940, manteve-se por mais de um ano na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos e foi traduzido para diversos idiomas, sendo reeditado com alguns acréscimos em 1967. No entanto, mesmo sendo uma das principais referências na área, Adler percebeu que, se o livro era necessário na década de 40, decorridos mais de trinta anos a premência de elevar os níveis de capacidade nessa arte era muito maior em 1970 devido a três fatores: 1) o número de matrículas no ensino médio crescera de modo expressivo em um período relativamente curto sem que os alunos tivessem aprendido realmente ler; 2) as aulas de leitura precisavam ser ministradas, às vezes, a 75% desses estudantes, situação que se repetia no ensino superior; e 3) eram necessárias aulas de reforço para que os estudantes atingissem o nível de leitura que já deveriam ter dominado no fim do ensino fundamental, explica ele no “Prefácio”, numa avaliação que guarda certa semelhança com a realidade do ensino no Brasil (em particular com os dados divulgados em 7/12/2010, sobre o desempenho de 20 mil estudantes brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Alunos – Pisa na sigla em inglês – em que apenas 20 alunos, ou 0,1% atingiram a nota máxima, 6, e 50% não atingiram sequer o nível 1, o mais baixo).

Segundo Adler, “O livro foi reescrito porque pontos como novas perspectivas dos problemas relacionados ao aprendizado da leitura, uma análise muito mais compreensiva e a formulação de novas regras para a leitura são tópicos que não foram adequadamente discutidos antes e demandam nova exposição”. Para essa tarefa, ele contou com a colaboração de Charles Van Doren (1926-), também professor e filósofo, que com ele conduziu grupos de discussão sobre livros clássicos e seminários em Chicago, San Francisco e Aspen.

A arte de ler

Se o objetivo de todo escritor é ser “apanhado” pelo leitor, mesmo que muitas vezes pareça justamente o contrário, dada a complexidade de alguns textos, então, dizem Adler e Van Doren, nesse ponto a técnica do autor e a do leitor convergem para um objetivo comum: o entendimento. E esse entendimento só será possível se a leitura for encarada como o que de fato é: uma atividade que implica uma ação do leitor, que depende essencialmente de sua dedicação, de seu empenho intelectual, e cujo sucesso será proporcional àquilo que ele conseguir apreender do texto.

Para auxiliar os leitores interessados em crescer intelectualmente, os autores desenvolveram o método dos quatro níveis de leitura – elementar, inspecional, analítico e sintópico –, que propicia “diferentes maneiras de abordar os tipos diferentes de leitura: livros práticos e teóricos, literatura imaginativa (poesia lírica, épicos, romances, peças teatrais), história, ciências e matemática, ciências sociais e filosofia, assim como obras de referência, jornalismo e até publicidade”.

  1. o nível 1, leitura elementar ou rudimentar, sugere que a pessoa se alfabetizou, aprendeu os rudimentos de arte de ler e recebeu o treinamento básico para a leitura; nesse nível a pergunta-chave a ser respondida é “O que a frase diz?”.
  2. onível 2, leitura inspecional ou pré-leitura, tem como fator principal o tempo, pois essa leitura pressupõe determinado período no qual temos de ler certos trechos para  extrair o máximo do livro; é a arte de folheá-lo sistematicamente, examinando sua superfície. As perguntas-chave são: “O livro é sobre o quê?”, “Qual é a estrutura do livro” e “Que tipo de livro é este?”.
  3. o 3 nível, leitura analítica, é aquele em que a atividade é mais complexa e sistemática, quando comparada aos anteriores; depende das dificuldades do livro a ser lido e pode exigir muito ou pouco do leitor; trata-se da leitura completa, a melhor possível num período de tempo ilimitado. Ela suscita muitas perguntas, segundo o tipo de livro que se tem em mãos (elencadas na Parte 2 do livro).
  4. o quarto nível, ou leitura sintópica, é o tipo mais complexo, e também pode ser encarado como uma leitura comparativa, pois implica muitos livros, ordenados em relação a um assunto determinado. Vai além da comparação, pois habilita o leitor a fazer uma análise que talvez não esteja em nenhum dos livros. É o nível mais ativo, trabalhoso e, portanto, o mais compensador de leitura.

Exemplos de cada um desses níveis e vários exercícios estão nos Apêndices, onde os autores também inseriram uma relação de obras recomendadas para leitura.

“O livro é um tesouro de pistas e métodos de trabalho intelectual”, um manual abrangente de técnicas de leitura” que associa “a profundidade da análise com a cobertura da extensão dos gêneros”, afirma o professor José Monir Nassar, no texto introdutório a esta nova tradução, a terceira feita no país. As anteriores, esgotadas assim que publicadas, datam de 1990 e 2000, e mantiveram o título como no original: Como ler um livro.

É importante observar, no entanto, que, além da sutil alteração do título para Como ler livros, a leitura precisa ser atenciosa, porque aqui ou ali se pode encontrar uma escorregadela, como na p. 32, em que se lê “Os dois passos de leitura analítica aqui delineados podem ser encarados como uma espécie de antessala para a leitura analítica”, quando, de acordo com o original, o correto seria, “Os dois estágios da leitura inspecional podem ser considerados...”, como se pode ler na p. 46, da primeira edição revista e atualizada publicada pela Editora Guanabara, em 1990, e traduzida por Aulyde Soares Rodrigues.

Como ler livros: um guia clássico para a leitura inteligente

Mortimer Jerome Adler e Charles Van Doren

Tradução: Edward Horst Wolff e Pedro Sette-Câmara

Editora É Realizações

432 páginas

é jornalista e editora da Página 3 Pedagogia & Comunicação.

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