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Lições do homem-bomba

Guilherme Perez Cabral

30/11/2015 06h00Atualizada em 30/11/2015 11h53

Não compreendemos o homem-bomba.

Explodindo-se, ele nega uma forma de ver o mundo, um projeto de civilização que nos infundiram europeus e estadunidenses, moldando-nos e nos uniformizando como “ocidentais”, permitindo que conversemos e nos entendamos (em alguns pontos, pelo menos), apesar de tantas diferenças, particularidades e divergências.

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Na confusão de ideias que conforma nosso olhar, acreditamos, ainda, no tal progresso da humanidade, por meio da razão, da ciência, da técnica. Repetimos, mesmo que superficialmente, sem ter lido, a filosofia iluminista, pensada e escrita há mais ou menos trezentos anos. Se indagados, afirmamos, como fez Kant, o ser humano como o valor absoluto, um fim em si mesmo. Nosso discurso não dispensa referências à dignidade da pessoa, aos direitos humanos, ao estado de direito, à democracia. Blablablá.

Quase sempre entra, também, algum deus nessa mistura, conferindo autoridade universal às verdades particulares defendidas. Ajudam a colorir e adocicar a “história interminável de ferro e de sangue, de fogo e de cinzas, um mar infinito de sofrimento e lágrimas”, narrada no Evangelho ateu de Saramago.

É verdade. No cenário das ideias fora do lugar, lembrava Roberto Schwarz, o teste da realidade nunca foi lá muito importante para nós. Definimo-nos a partir disso tudo, sem praticar nada disso. O tempo todo, vivenciamos o inverso.

Aceitamos a concretude da violência, da discriminação, do desrespeito ao outro. Defendemos a civilização, falamos de amor, solidariedade, mas o que predomina, na brutalidade sem fim da vida cotidiana, é o instinto de morte freudiano. Aquela tendência do ser humano à destruição, à agressão, à crueldade.

Temos, sempre, razões que justificam todas as desumanidades contra quem não estimamos. Nossa empatia é restrita e impaciente. Não nos sentimos responsáveis. Dormimos tranquilos, sem culpa.

De repente, vem o homem-bomba e se explode, explodindo junto pessoas que, aos nossos olhos, tinham (ou poderiam ter) algum valor. Ele não é ocidental, como nós. Seu deus é outro. Nossa razão não explica. Nossa linguagem não tem palavras que dê sentido. Nos aterrorizamos.

Ele é a negação da razão, do iluminismo, da humanidade, dos direitos humanos, do respeito mútuo, que pregamos, no plano das ideias, e nunca, nunca conseguimos realizar, na prática. Nem tentamos.

Ele contraria tudo aquilo que, no mundo das ideias, a nossa educação pretendia formar, o nosso direito pretendia regrar. Mas fracassa e torna a fracassar, de novo e de novo.

O homem-bomba escracha as nossas mentiras. Nos coloca, frente a frente, com certas verdades doídas. Tem muito a nos ensinar.

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