Que Deus e a educação religiosa protejam nossa Constituição republicana
Mesmo a quem não tem fé,/ A fé costuma acompanhar,/ Pelo sim, pelo não. (Gilberto Gil)
Ao conhecer, domingo retrasado (17), os deputados que compõem o Congresso Nacional, muita gente estranhou e questionou, com razão, tanta menção a Deus na votação do processo de afastamento da Presidente da República. Afinal, o “impeachment”, a panaceia para a solução de todos os males do Brasil, deveria decorrer, imediatamente, de um crime de responsabilidade, conforme nossa legislação, e não de uma interferência divina.
Trouxe à tona o tema do espaço reservado à religião em nossa República, espaço sem dúvida importante, que passa pelo nosso assunto, a educação.
A Constituição, de acordo com seu preâmbulo, é promulgada “sob a proteção de Deus”. Mas isso não para instituir um Estado religioso. Com efeito, é vedado ao Poder Público estabelecer cultos religiosos, patrocinar ou se vincular a determinada igreja, prejudicando outras.
O que a Constituição faz é garantir a liberdade de crença e, para tanto, o livre exercício dos cultos religiosos, protegendo seus locais e liturgias.
Ingressando na temática educacional, são princípios constitucionais a liberdade de ensinar, aprender e pesquisar, assim como o pluralismo de ideias pedagógicas. Isso implica, dentre outras coisas, a liberdade de educar, conferida às instituições religiosas, à luz de sua doutrina.
A Constituição prevê, inclusive, o ensino religioso, de matrícula facultativa, na rede pública. Como complementa a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), é parte integrante da formação básica do cidadão, devendo, de qualquer forma, na escola pública, garantir o respeito à “diversidade cultural religiosa do Brasil”.
Quanto às escolas privadas, elas podem, sim, ser mantidas por pessoas que seguem uma dada religião. Se diz, na LDB, instituições “confessionais”. Organizam-se e se orientam na perspectiva de sua fé.
Isso não significa, contudo, que religiões e escolas confessionais estejam liberadas do cumprimento das leis da República, que estejam à margem das regras do Estado Democrático de Direito.
Falar em nome de Deus não é justificativa para desobedecer a legislação brasileira. Segundo a Constituição, não vale invocar a religião para se eximir de obrigação legal (o que ela possibilita, em caso de recusa por motivos religiosos, é o cumprimento de obrigação alternativa, também fixada em lei).
A educação segue a mesma linha. A instituição de ensino, seja qual for sua orientação confessional, orienta-se também ao atendimento dos objetivos constitucionais de desenvolvimento pleno da pessoa, qualificação para o trabalho e preparo ao exercício da cidadania. E, para isso, não pode se furtar ao cumprimento das normas, diretrizes e conteúdos determinados pelo poder público.
Enfim, temos a liberdade para falar em Deus, seguir uma religião e professá-la. Por outro lado, temos de respeitar, na vida social, vivida conforme as crenças de cada um, o que foi estipulado pelo Estado Democrático de Direito.
Os espaços convivem. O Estado respeita as religiões, assegura a liberdade de crença e o ensino religioso. A escola confessional qualifica para o trabalho e forma cidadãos da República, de acordo com a lei.
A convivência exige que cuidemos religiosamente dos assuntos da religião. E exige que, ao tratar de coisas da República (como o impeachment da Presidente), previstas na lei secular, no direito laico, fiquemos com este, somente. Seja numa aula da escola confessional, seja numa votação no Congresso Nacional.
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