Educação e gastos ineficientes. O lugar de fala do Banco Mundial
Vamos almoçá
Sentados na calçada
Conversar sobre isso e aquilo
Coisas que nóis
Não entende nada
(Adoniran Barbosa, Torresmo à milanesa)
Conversávamos superficialmente sobre temas que exigiriam análise profunda. É hora do almoço, no restaurante universitário, e a mesa é de professores. O mote varia, as certezas muito pouco. Brincadeiras suavizam divisões e incompreensões. Diante de autores que li e respeito, chamavam-se de “pós-moderno”, um relativista que não alcançou a verdade, já anunciada nos versículos do pensador a ou b. Questionaram este tal de “lugar de fala” a que me referi.
Tentei explicar e não convenci, claro. Quis dizer apenas da importância, numa conversa, de se indagar de que “lugar” na sociedade o interlocutor fala. Pois são muitos os lugares e partidos sobre um mesmo assunto. Assim, podemos entender melhor, a perspectiva e, fundamentalmente, o interesse, nem sempre expresso. A intenção não é acatar ou desconsiderar, de antemão, o que o outro dirá só porque é adepto deste ou daquele ponto de vista. Para compreender a fundo os textos, precisamos entender os contextos. Só isso.
Por exemplo, o Banco Mundial discutindo educação. A organização internacional se apresenta como promotora de assistência financeira e técnica a países em desenvolvimento, com o objetivo de reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável. Com sua ajuda, vem a cartilha a ser seguida. Uma de inúmeras perspectivas, chamada, porém, lá na década de 1990, por Williamson, de “consenso”, o de Washington. Bresser Pereira o resumiu como conjunto de reformas para promover o ajuste fiscal e a redução do tamanho do Estado, com a adoção de políticas econômicas em que o mercado desempenhe o papel central.
Semana passada, o Banco publicou Relatório, coordenado por economistas, “Um Ajuste Justo”. A estratégia? O corte dos gastos públicos. Sobrou para os direitos sociais, claro: reforma da previdência, redução significativa de despesas com o funcionalismo e cortes na educação. Aqui, quer mostrar que a vinculação de 25% das receitas municipais faz mal para a educação (é ineficiente, diz). Quer convencer, também, que devemos cobrar o ensino superior de quem pode pagar.
Gastar melhor, cobrar de quem pode pagar... Lido isoladamente, faz sentido. Mas temos, sim, que nos perguntar sobre o “lugar de fala” do interlocutor. Quais são os interesses por trás dos argumentos? Por que são economistas de um banco que estão discutindo a educação? A compreensão e adesão (ou não) ao Relatório exigem que reflitamos sobre os atores, suas perspectivas e o projeto de sociedade que se quer impor, como consenso.
Vejam só. O Banco não sugeriu reforma agrária, nem a socialização dos meios de produção. Tributação de grandes fortunas? É uma medida importante, concorda. Porém, não é discutida “em detalhe” no documento, já que não substitui o principal: o “combate às causas fundamentais do aumento dos gastos públicos e a revisão das excessivas obrigações associadas ao Estado brasileiro”. Cortar, cortar.
Impressiona. O Relatório trata de previdência, questões trabalhistas. Dá soluções à educação. Porém, a palavra “direito” aparece muito pouco. A expressão direitos humanos nenhuma vez. Trata deles sem assim os considerar.
Do lugar de onde o Banco fala, os foros econômicos internacionais – que incluem também a Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional –, educação é serviço a ser comercializado, seguindo as regras do mercado.
Em nome do “consenso”, da eficiência e do ajuste necessário, pode ser omitido que é um direito de todos. Esquecem, sem culpa, que a educação superior, de acordo com o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em vigor no Brasil!) deve ser acessível a todos, principalmente pela “implementação progressiva do ensino gratuito”.
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