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A empresa a caminho da escola

Lucila Cano

28/01/2011 07h00

Desde maio do ano passado, a escassez de mão de obra qualificada no país é assunto da imprensa. A esta notícia, acrescente-se outra: a importação de profissionais.

A situação que se convencionou chamar de “apagão de talentos” expõe dois pólos da realidade brasileira: o crescimento da economia de um lado e, de outro, a insuficiência de profissionais preparados para assumir os postos de trabalho em aberto.

Para Luiz Edmundo Rosa, vice-presidente de Desenvolvimento Humano e Parcerias Educacionais da Ânima Educação, diretor de Educação da ABRH (Associação Brasileira de Recursos Humanos) Nacional, e presidente do Grupo de Recursos Humanos do WTC (World Trade Center) de Belo Horizonte, empresa e escola devem interagir para minimizar o descompasso que existe entre elas.

Rosa diz que “o apagão de talentos tem extensão ampla, do engenheiro ao operário da construção civil, porque este é o maior momento de crescimento da história do Brasil e o que mais o diferencia é que ele é abrangente, atinge os três setores produtivos e ocorre ao mesmo tempo em todo o país”.

O caso da Engenharia

De acordo com Rosa, “precisamos sustentar o crescimento da infraestrutura de portos, aeroportos, estradas, estádios, plataformas de pré-sal. No entanto, a formação de engenheiros está estagnada e sofre de um problema crônico, que é o mais alto grau de evasão do mundo: 78% dos que ingressam na faculdade não concluem o curso de Engenharia. Nossos cursos são acadêmicos, extremamente teóricos. Dos que se formam, 75% vão trabalhar em outras áreas”.

“Enquanto formamos 40 mil engenheiros, diz ele, a China forma 650 mil. Desses, metade é formada na modalidade tecnológica em três anos. Na Índia, também é assim.”

Com base em dados da Unesco, Rosa lembra que “da população estimada em 190 milhões em 2008, 32 milhões vão para o ensino fundamental. Com repetência e evasão elevadas, oito milhões de jovens chegam ao ensino médio e apenas dois milhões se formam. Desses, 80%, aproximadamente 1,6 milhão, vão para a universidade. Ao longo do tempo, 40% devem se evadir. Assim, aqueles que detêm a base para a qualificação são em número insuficiente para sustentar o crescimento. No mínimo, deveríamos ter quatro milhões de pessoas se formando no ensino médio no Brasil”.

A ambição de educar pessoas

Para Rosa, as empresas podem contribuir para melhorar a educação através de suas universidades corporativas: “Se a proposta é formar um ser pensante que se oriente por valores, que tenha nível de autonomia para solucionar problemas e direito a voz, não basta treina-lo para obedecer a uma norma e seguir um procedimento. O treinamento é muito importante, mas além dele, devemos ter a ambição de educar pessoas”.

Ele afirma que “há muito mais facilidade para a promoção de mudanças, inovações e até projetos ambiciosos quando a educação melhora numa empresa. Quem está na frente do cliente não pode seguir manual. Tem que ter discernimento para tomar decisões. O cliente sempre tem uma questão original e exige uma resposta original”.

Segundo o especialista, “se a empresa não criar relações com a escola que viabilizem a aproximação com os talentos em seu nascedouro, e não ajudar a formar esses talentos, será ainda mais difícil o acesso a quem vai fazer a diferença no trabalho”.

“Tanto o ensino público quanto o privado têm problemas estruturais, estão presos à burocracia e precisam de governança”, diz Rosa. “Mas tem um atalho, que é trabalhar junto, empresa e escola. Uma empresa pode adotar uma escola, ou atuar em consórcio. Empresas de uma região podem adotar um grupo de escolas para que as pessoas daquela região se formem com melhor conteúdo e qualificação para trabalhar naquelas empresas.”

Na opinião de Rosa “o setor educacional e o empresarial trafegam por uma estrada pela qual nunca passaram. Nenhum dos lados está suficientemente preparado. Mas essa condição tende a mudar, por força da necessidade. A parceria empresa/escola é ato de cidadania e fundamental para sustentarmos o que vem pela frente”.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.