Topo

Profissão Mulher

Lucila Cano

04/03/2011 07h00

Minha mãe está naquela idade em que falar de morte é proibido, embora o choramingo e lembranças constantes da infância feliz revelem o medo de morrer que ela carrega consigo.

Ela vive dizendo que aos seis (na época não havia nenhuma lei de proteção contra o trabalho infantil) trabalhava na casa de uma tia que a fazia lavar pratos e passar roupas até tarde da noite. Como era uma garota sacudida (é assim que se dizia), aparentava ter mais idade do que de fato tinha e, por isso, aos 12, já podia se considerar operária de uma tecelagem.

Conto um pouco dessa história, até porque em plena terça-feira de Carnaval comemoramos mais um Dia Internacional da Mulher.

Na juventude da minha mãe, as mulheres já votavam (no Brasil o direito feminino ao voto data de 24 de fevereiro de 1932), mas, de resto, não tinham muitas bandeiras para levantar. Algumas, de condição socioeconômica mais privilegiada puderam estudar e lutar por uma carreira. Mas, na prática, mesmo com essas conquistas, a grande maioria sempre abdicou do que poderia ser só seu, para se doar inteiramente aos seus. Ou seja, a família em primeiro lugar. Essa condição ainda é muito forte nos dias atuais.

Panela de pressão

Cuidar da casa e dos filhos em ritmo muitas vezes atordoante, que inclui pagar contas, fazer supermercado, levar e pegar filhos na escola ou nas escolas, fazer comida (ou instruir e supervisionar quem faça), entre tantas outras tarefas, já não se constitui uma profissão?

Não satisfeitas com isso, as mulheres sempre foram atrás de mais atribuições. Há aquelas que partilham o seu dia entre a casa e os filhos, o trabalho fora e o estudo em algum horário do dia, ou da noite. Há outras, então, que, além de tudo isso, ainda arranjam um tempinho para o trabalho voluntário.

Seriam equivocados todos os esforços para se realizar? O preço que as mulheres vêm pagando pela “ousadia” é alto: estresse, doenças cardíacas, desgaste das relações afetivas, acúmulo de atividades.

A mulher ocidental do século 21 vive em uma panela de pressão, não apenas pela sobrecarga de tarefas e responsabilidades dentro e fora de casa, mas também porque ainda continua vítima da violência em suas múltiplas formas de expressão.

Só para lembrar de notícias mais recentes, fosse um homem a inquirir o senhor prefeito e ele dificilmente vociferaria aquele brado de “morra”. E a lei Maria da Penha? Como uma conquista da sociedade civil pode incomodar tanto justo quem deveria zelar pelo seu cumprimento?

ONU Mulher

No Brasil, o último censo revelou que a população feminina é maioria (51%). As mulheres têm nível educacional maior que os homens, conquistaram mais postos de trabalho, têm maior expectativa de vida. Mas, no conjunto, engrossam a categoria de cidadãos de segunda classe.

No mundo, a situação não é diferente e, em alguns países, chega a ser muito pior. Ser mulher é condição de alto risco, sujeita a degradações e mutilações.

Em 24 de fevereiro passado, 101 anos depois que uma conferência na Dinamarca decidiu que o 8 de março passaria a ser o Dia Internacional da Mulher, e 36 anos depois que a ONU finalmente oficializou a data, foi lançada a ONU Mulheres.

A ONU Mulheres é a mais recente organização das Nações Unidas. Prestará apoio aos países de forma individual para o alcance da igualdade de gênero na economia e na política e para a eliminação do fenômeno mundial da violência contra as mulheres. Ajudará a estabelecer pautas internacionais de progresso e liderar iniciativas para converter as novas oportunidades para as mulheres e as meninas em elementos centrais de todos os programas de paz e desenvolvimento da ONU. Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile foi designada primeira diretora-executiva da organização.

Vamos festejar mais este avanço. Afinal, o que as mulheres querem não é ser mais ou menos que os homens. Elas simplesmente querem ser respeitadas pelo que são: seres humanos.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.