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A história se transforma

Lucila Cano

25/03/2011 07h00

Coincidência ou não, Barack Obama, o primeiro presidente afrodescendente dos Estados Unidos, encerrou sua visita ao Brasil em 21 de março, Dia Internacional contra a Discriminação Racial.

Poucos lembraram da data, além de sites e blogs de movimentos em defesa da igualdade racial. O terremoto seguido de tsunami que arrasou o Japão, a visita de Obama e comitiva – o que também incluiu o desmedido aparato de segurança que o acompanhou – e o bombardeio na Líbia, tomaram quase que todo o espaço do noticiário nos últimos dias.

Além do dia, 2011 também se reveste de significado contra a discriminação racial, eleito pela ONU como Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes.

Diferenças persistem

A Síntese dos Indicadores Sociais 2010 do IBGE, divulgada em setembro do ano passado, demonstrou em vários aspectos, que a desigualdade persiste no Brasil.

Segundo a análise, a taxa de analfabetismo no País caiu de 13,3% para 9,7% em uma década (1999 a 2009). Mas os percentuais entre negros (13,3%) e pardos (13,4%) superam o dobro do percentual de analfabetismo entre brancos (5,9%).

O analfabetismo funcional, que engloba pessoas de 15 anos ou mais de idade, as quais não concluíram a quarta série do ensino fundamental, passou de 29,4% para 20,3% (1999 a 2009). Esse percentual corresponde a 29,5 milhões de brasileiros. Deles, 25,4% são negros, 25,7% são pardos e 15% são brancos.

Outro indicador confirma as diferenças: 8,4 anos de estudo para brancos com 15 anos ou mais contra 6,7 anos para negros e pardos (2009). E, o que acentua a diferença é saber que essa média é ainda inferior aos 7 anos de estudos alcançados pelos brancos em 1999.

Não vou me demorar em números. Quem quiser tem acesso livre à íntegra dos indicadores pela Internet. Em síntese, eles revelam que ainda é grande a distância para que se alcance mais igualdade racial. No entanto, um indicador chama a atenção logo na abertura do capítulo. É aquele que mostra que aumentou o número de brasileiros que se declararam negros (6,9%) ou pardos (44,2%) em 2009 contra 5,4% de negros e 40% de pardos uma década atrás.

O relatório diz que pode ter havido uma recuperação da identidade racial, o que faz todo sentido em um período de conquistas para essas pessoas que, juntas, representam 51,1% da população do País.

Igualdade racial é pra valer

A Secretaria da Igualdade Racial foi criada em 21 de março de 2003, com a missão de promover a igualdade e a proteção dos direitos dos indivíduos e grupos raciais afetados pela discriminação, com ênfase na população negra, entre outras atribuições.

A política de cotas nas escolas públicas iniciada no Rio de Janeiro é uma conquista da década passada e hoje está presente em universidades estaduais e federais do Brasil através de Programas de Ação Afirmativa.

Depois de quase uma década no Congresso, o Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado e vigora desde 20 de outubro de 2010, definindo direitos para os cidadãos negros.

A própria Secretaria da Igualdade Racial lançou um curso inovador que será ministrado através de 18 universidades federais das cinco regiões do País, com o objetivo de formar 6.700 gestores para a condução das políticas públicas de gênero e raça.

Gratuito, o curso é destinado a pessoas de escolaridade de nível médio e superior e utiliza a plataforma da Universidade Aberta do Brasil, a qual integra educação à distância com encontros presenciais.

Por sua vez, em janeiro, o Itamaraty divulgou a oferta de cotas para negros no curso de admissão da carreira diplomática a partir deste mês de março. Assim, o Instituto Rio Branco, responsável pelo processo de seleção, tornou-se o primeiro órgão público federal a aderir às cotas raciais.

Aos poucos, a história se transforma e cria mais oportunidades para todos os cidadãos. A exemplo do lema da campanha dos oito anos da Secretaria, o sentimento da maioria do povo brasileiro é de que a igualdade seja pra valer.

*Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.