Desperdício dói no bolso
Todo mundo fala de consumo sustentável, mas poucos o praticam. Egoístas, aproveitamos o usufruto presente e esquecemos do que será legado às gerações futuras.
O fator cultural é empecilho. Em país de natureza pródiga, crescemos descompromissados de quase tudo. Herdamos maus hábitos em nossas próprias casas. Por isso, ainda causa surpresa a inversão de papéis: motivadas pela educação ambiental na escola, agora são as crianças que chamam a atenção dos pais para evitar o desperdício, principalmente de água e energia.
Mais da metade da população mundial enfrenta a falta de água. Tivemos exemplos recentes do que significa isso em dois extremos do Brasil, na Amazônia e no Rio Grande do Sul.
Em média, uma pessoa consome 250 litros de água por dia. Não dá para viver sem água, é claro, mas dá para racionalizar o consumo e, como na vida adulta o que mais nos dói é o bolso, algumas novidades nesse sentido prometem surtir bons efeitos.
Duas boas ideias
Pela passagem do Dia Mundial da Água em 22 de março, a Ambev anunciou uma iniciativa inovadora junto com a Sabesp: a criação do Banco Cyan, no qual o cidadão abre uma “conta”. Cadastrada pela Sabesp, a conta vai creditando em pontos o quanto é economizado de água mês a mês. O total de pontos acumulados por esse “correntista” poderá ser descontado na compra de produtos e serviços em empresas parceiras como Submarino, Americanas.com, Shop Time e Blockbuster.
Por enquanto, o projeto se restringe à área coberta pela Sabesp. No entanto, a própria Ambev declara o seu interesse em formar novas parcerias.
No Ceará, desde janeiro de 2007, o programa Ecoelce juntou a prática da coleta de materiais recicláveis à concessão de descontos na conta de luz. A iniciativa é da Coelce, a distribuidora de energia no estado, que já recebeu vários prêmios nacionais e internacionais pela boa ideia.
Mais de 318 mil clientes já foram cadastrados pelo Ecoelce. Eles contribuíram com a coleta de mais de 10 mil toneladas de resíduos e por essa atitude cidadã receberam descontos que, no total, somam perto de R$ 1,2 milhão.
Outras empresas deveriam se inspirar nessas iniciativas com urgência e sem constrangimento. Em matéria de cidadania, copiar o que surte resultado pode ser muito mais eficiente e interessante para todo mundo.
Contribuição individual
Enquanto as empresas buscam fazer a parte delas, a contribuição de cada indivíduo é fundamental para que o consumo sustentável se viabilize. Além da água e da energia, há outras perdas igualmente graves no nosso cotidiano. Uma delas é a de papel. Outra, a de alimentos.
A fabricação do papel não só implica a derrubada de árvores, mas a necessidade de muita água e energia em todo o processo produtivo. No trabalho e em casa, por que não usar as duas faces de uma mesma folha de papel? Embora haja uma recomendação mundial para a adoção de papel reciclado, é importante que se saiba que a sua fabricação também demanda muito água e energia.
Os alimentos passam por uma alta de preços mundial. Entre nós, a alta ainda decorre dos estragos provocados pela falta ou pelo excesso de chuva, entre outros fatores climáticos. A falta de acesso à comida afeta populações inteiras em todo o mundo.
Uma boa forma de evitarmos o desperdício de alimentos é frear o seu consumo excessivo. A expressão “comer com os olhos” faz todo sentido em muitos momentos de compra e nem sempre os alimentos duram o que se espera deles. Programar um cardápio semanal pode ser muito útil para se aproveitar os preços dos produtos sazonais e sair da rotina.
Outras pessoas da família podem ajudar na decisão por um consumo mais sustentável. Às vezes, basta trocar uma lâmpada para se sentir a diferença na conta de luz. O que tudo indica é que, primeiro, as pessoas precisam estar dispostas a mudar. No mais, uma economia aqui e outra ali vão dando novo ânimo a um novo tipo de cidadão, mais consciente de que quem mais perde com o desperdício é ele mesmo.
*Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.
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