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A solidariedade é possível

Lucila Cano

15/04/2011 07h00

Temos na mãe uma figura forte, poderosa, que abraça o filho desde o primeiro momento de vida e o leva pelas mãos para descobrir e enfrentar o mundo.

Desde pequenos nos acostumamos a ter a mãe como guia, mesmo antes de conseguirmos pronunciar as primeiras letras. Basta olhar ao redor e logo sabemos que ela está no comando e é alguém em quem podemos confiar.

A mãe é um ser especial que se nutre de esperança e desse alimento etéreo armazena toda a energia necessária para projetar sonhos para a família, para os filhos.

É desse alimento também que as mães tiram forças para ir à luta, para encarar todo e qualquer trabalho como a ponte de um futuro melhor para os filhos, para superar as adversidades, para acreditar que o sonho é possível.

No entanto, às vezes, os sonhos são atropelados por almas errantes que, desprovidas de tudo, mas principalmente do alento materno, decidem se vingar do mundo.

As mães de Chico Xavier

No final de março, a convite da Estação Luz Filmes e de seus parceiros na produção, assisti ao filme “As mães de Chico Xavier”, uma obra sensível, baseada em livro que relata como o médium Chico Xavier contribuiu para amenizar a dor de muitas mães que perderam seus filhos, a partir das cartas que psicografava.

Mal sabíamos, eu e a plateia daquela sala de cinema, que o sofrimento materno, tão intenso e ao mesmo tempo tão delicadamente interpretado pelas atrizes do filme, explodiria em cenas de cruel realidade alguns dias depois.

Independentemente da temática espírita e da homenagem ao centenário de nascimento do médium Chico Xavier, “As mães de Chico Xavier” leva à tela alguns dos assuntos que mais reclamam discussão e tomada de posição da sociedade moderna: o aborto, o consumo de drogas, o suicídio, a ausência de afeto.

As mães, cujos filhos foram alvo de uma chacina na escola do bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, em 7 de abril passado, foram envolvidas em um pesadelo coletivo. Como elas, muitas são as mães deste país que perdem seus filhos para a violência, o preconceito, a insanidade, os abusos de poder de uma sociedade que precisa rever os seus valores com urgência e desarmar os seus corações.

Um ato de doação

Quando soube da tragédia do Realengo, eu me preparava para escrever sobre a dificuldade que empresas e pessoas têm de fazer doações no Brasil.

Ao mesmo tempo em que o povo brasileiro reitera sua disposição de ajudar, dando mostras de imensa generosidade a cada catástrofe natural que ocorre no país ou no mundo, os incentivos legais à solidariedade são praticamente nulos, variando de 1% a 6% do imposto devido, dependendo do tipo de doação.

Além disso, e ao contrário do que se pratica em outros países, o Brasil tributa as grandes doações. Pagamos impostos, inclusive para ajudar o próximo, e quem dispõe de mais recursos, e poderia ajudar mais, acaba desestimulado por tanta restrição.

Talvez por isso, o voluntariado encontre eco entre tantos brasileiros. Ainda não inventaram um jeito de taxar o trabalho voluntário e sem remuneração.

Em meio à pesquisa, fui surpreendida por dois exemplos de doação. O primeiro veio da Estação Luz Filmes, que doará 10% do resultado líquido da sua respectiva parte em “As mães de Chico Xavier” para a Casa da Prece, de Uberaba (MG). O local que abrigou as reuniões de Chico Xavier dá continuidade ao legado dele e presta assistência material e espiritual a pessoas carentes.

O segundo exemplo veio das famílias das vítimas do Realengo. Unidas pela dor elas se irmanaram em uma reação positiva e se decidiram pela doação de órgãos vitais para anônimos em filas de transplante.

De maneiras diferentes, mas com o mesmo propósito de fazer alguma coisa por um país melhor, os produtores do filme engajados com temas sociais e essas famílias enlutadas pela perda dos filhos dão mostras de que a solidariedade sempre é possível.

*Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.