Significado da fraternidade
Na porta do shopping center, um jovem simpático e uniformizado pedia que as pessoas se organizassem em fila para aguardar o táxi que ele chamava pelo rádio. Os motoristas vinham rápido, porque o ponto de táxi fica logo ali, na esquina da rua. Assim que chegou a minha vez, última que eu era da fila, uma senhora bem-vestida e mal-humorada se aproximou. Pediu um carro, mas se negou a formar fila atrás de mim. Inquieta, andou de um lado para outro, fez menção de chamar qualquer táxi sem a ajuda do rapaz e foi bastante indelicada com ele, em gestos e em palavras.
O rapaz chegou perto de mim e sugeri a ele que cedesse minha vez àquela senhora. Eu não estava com pressa e queria livrar-me daquela situação desagradável. Foi o que ele fez e ainda tivemos tempo de conversar um pouco antes de eu pegar o carro seguinte. Foi o suficiente para saber que todos os dias, a qualquer hora do seu turno de trabalho, muitas pessoas que foram ao shopping comprar os seus presentes de Natal tiveram com ele padrão de comportamento tão agressivo quanto o daquela senhora.
Desafio contínuo
Mundialmente, o ano de 2011 foi pontuado por avanços nas relações humanas. Alguns deles conquistados à base do sofrimento que atingiu populações inteiras, expondo-as a situações-limite, como guerras e insurgências. A natureza também se rebelou várias vezes e, assim como os conflitos de toda ordem, provocou estragos para, em seguida, receber provas de solidariedade.
A solidariedade é grande nesta época, através do voluntariado e das doações a entidades sociais. Isso é bom e faz bem a quem recebe e ao próprio doador. A campanha “Ser voluntário vale a pena” tem depoimentos interessantes (www.cbve.org.br). Mas, é importante não restringirmos o significado da fraternidade à caridade, tampouco a determinado período do ano.
A fraternidade tem tudo a ver com os direitos humanos e está claramente identificada no primeiro parágrafo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, já citado pela coluna há algumas semanas: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
Sem a interferência de qualquer convicção religiosa, a fraternidade expressa o respeito que cada indivíduo deve ter pelo seu próximo em todos os níveis de convivência. Da mesma maneira que fazemos exercícios para manter a boa forma física e melhorar o nível de saúde do nosso corpo e mente, recomenda-se a prática da fraternidade para o aperfeiçoamento de nossa condição cidadã em respeito aos outros e a nós mesmos.
Não há fórmulas prontas para isso e o desafio parece ser contínuo, para toda a vida. Mas, nós que empunhamos bandeiras em favor de tantas causas, não poderíamos aderir àquela que nos diferencia como seres humanos? O momento é propício para a reflexão.
Palavras de efeito
Ao longo do ano, a sustentabilidade teve os mais altos índices de menção, inclusive nesta coluna. Foi acompanhada de perto por verbos de ação como transformar, produzir, consumir, evoluir. Isso, no plano ambiental, porque no social, muitas vezes nos referimos a educar, criar, participar, renovar, interagir, incluir, integrar.
O desejo é que essas palavras surtam efeito, de fato. Não só neste espaço, mas em todos aqueles que se preocupam com a premência de um novo padrão de comportamento para que haja paz, respeito, equilíbrio, diálogo, entendimento e bom senso nas relações que mantemos com a natureza e com nós mesmos.
O indivíduo que ignora o seu potencial humano e o verdadeiro significado da fraternidade, desperdiça oportunidades, tais como colocar-se no papel dos outros; aprender com os seus erros; livrar-se dos preconceitos; apreciar o mundo e as pessoas à sua volta.
Aquela senhora da porta do shopping center tem todo o direito de ter pressa, de acordar de mau-humor, de chamar o seu táxi por conta própria. Não deveria, entretanto, abrir mão do seu direito de tornar-se um ser humano melhor.
* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.
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