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Dimensão do voto

Lucila Cano

18/10/2012 06h01

Sabemos que votar não se restringe ao comparecimento às urnas, para definir quem serão nossos representantes no governo. Passamos a vida votando. Ainda pequenos, indicamos no berro, no choro, no sorriso, ou nas parcas palavras as primeiras preferências. E, assim, logo se proclama em família que aquele pedaço de gente tem os seus eleitos quanto a cor, cheiro, sabor, forma, som.

Um pouco mais crescidos, acrescentamos aos primeiros pleitos novas escolhas: a roupa, os brinquedos, os colegas da escola. Muitas vezes, para enfatizar o voto, batemos os pés com convicção e apostamos na vitória pela via do estardalhaço.

Quando jovens e quase donos do próprio nariz, revelamos uma tendência de ser do contra. O voto rebelde abrange amigos, namorados, passeios, baladas, viagens, festas e tudo o mais que a família questiona ou não recomenda. Nem sempre fazemos as melhores escolhas, mas parece ser da natureza humana a propriedade de experimentar.

Eureka!

É na juventude que o nosso voto ganha mais complexidade, porque começa a influir no coletivo. Na escola, sempre tem eleição para o grêmio. Na faculdade, votamos para compor o centro acadêmico. A partir dos 17 anos já podemos nos assenhorear do título eleitoral e exercer papel cidadão nas urnas.

O voto concretiza a liberdade que temos de escolher o que nos parece melhor para nós mesmos, para nossa família, para nosso bairro, para nossa cidade, para nosso país. A escolha do síndico do prédio, a busca por uma profissão e por um emprego, a greve, a passeata, são manifestações de voto.

Das recentes eleições municipais, não de todo encerradas, dado o segundo turno para a definição de prefeitos em diversas cidades, pincei algumas notícias. Em Bauru, no interior de São Paulo, uma senhora de 64 anos escorregou nos “santinhos” espalhados na rua, fraturou quadril e fêmur e faleceu alguns dias depois. As informações são de que ela era portadora de doenças, mas, sem dúvida, os “santinhos” precipitaram a sua morte.

Em Unaí, no interior de Minas Gerais, um candidato a vereador foi detido por fazer “boca de urna”. De imediato, a Justiça Eleitoral o condenou a varrer a rua coberta de “santinhos”.

Em todo o país, a despeito do comercial de televisão incentivando que deficientes fossem às urnas, muitos não puderam votar por impossibilidade de acesso às suas zonas eleitorais. Até quando?

De uma amiga que assessorou um candidato a vereador ouvi o relato de que os cabos eleitorais aproveitam a madrugada que antecede a eleição para cobrir as ruas de “santinhos”. Eles têm a esperança de que o eleitor indeciso bata os olhos no chão e... Eureka!, vote num campeão de lixo nas ruas.

De uma parente que mora numa pequena cidade do interior de São Paulo, a história que me chegou foi mais sustentável. Na disputa pela prefeitura, o candidato eleito abriu mão de “santinhos”, cavaletes e demais materiais. Visitou os moradores de casa em casa e, pessoalmente, levou a todos o seu programa de governo. Naturalmente, isso só é possível em cidade pequena, mas não deixa de ser uma ideia boa e barata.

Cidade limpa

A campanha de combate à corrupção eleitoral levou anos para se materializar na lei da Ficha Limpa, depois do voto popular representado por 1,3 milhão de assinaturas de brasileiros de todo o país. Criada em junho de 2010, passou a vigorar nas eleições municipais deste ano. Este é o melhor e mais recente exemplo que temos da força do voto em defesa de uma causa, por mais que uns e outros tentem burlar a lei.

À medida que o conceito da sustentabilidade se torna mais compreendido pela população, urge votar em muitas outras causas igualmente importantes para todos.

Para começar, proponho o voto no fim dos “santinhos”. Pode parecer uma causa menor, mas é de importância vital. Não cabe mais candidato prometer que vai cuidar do lixo, se ele é o principal responsável por toneladas de “santinhos” nas ruas. Os “santinhos” entopem bueiros, sujam a cidade, provocam acidentes e podem até matar.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.