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Dalai-lama - Monge representa uma das principais tradições budistas

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

O dalai-lama representa para os seguidores do budismo tibetano o que significa o papa para os católicos, ou ainda mais do que isso, pois para os fiéis dessa religião ele é visto como uma reencarnação de Buda.

O budismo é uma religião que se originou historicamente no norte da Índia (atual Nepal) entre os séculos 6 e 5 a.C. Entretanto, se nos séculos iniciais de existência ela já se confrontava com a doutrina da religião hindu, no século 11, o budismo praticamente desapareceu da Índia, onde o islamismo começava a se infiltrar, devido às invasões árabes.

O budismo, por sua vez, difundiu-se para o Ceilão (atual Sri Lanka) e o Sudeste asiático (Tailândia, Vietnã, Laos, Cambodja), sob uma forma que recebeu o nome de theravada, com rituais simples baseados nos ensinamentos mais antigos do budismo preservados em escrituras em páli - uma antiga língua da Índia.

Seitas e escolas
Outra forma de budismo, entretanto, se espalhou por outros países do Oriente - a China, a Mongólia, a Coreia e o Japão - considerando-se mais fiel aos ensinamentos originais de Buda. Esta forma se intitulou de mahayana, ou "grande veículo" e passou a chamar o budismo theravada de hinayana ou "pequeno veículo".

Convém lembrar que ambas as formas geraram diversas seitas ou escolas budistas diferentes, dentre as quais se pode destacar o zen-budismo japonês - tradição que enfatiza a meditação como o caminho para se atingir os ideais de Buda. É interessante notar, contudo, que o pacifismo sempre se desenvolveu no seio das inúmeras seitas budistas que jamais guerrearam entre si, ao contrário de outras tradições religiosas como o cristianismo e o islamismo.

Finalmente, uma terceira tradição budista se desenvolveu no Tibete, com o nome de vajrayana, ou "veículo do raio", e que se caracterizou por dar mais importância aos aspectos místicos e ritualísticos do budismo, enfatizando, por exemplo, a crença na reencarnação e num ciclo de nascimentos e renascimentos dos indivíduos neste mundo, com a função de purificar sua alma.

Isolamento tibetano
Vale lembrar que as características particulares do budismo tibetano devem-se especialmente ao isolamento secular do Tibete em relação ao resto do mundo, em função da situação geográfica desse país que se encontra num planalto a 4 mil metros de altitude, cercado pelas montanhas do Himalaia.

Mas também ao próprio budismo tibetano que pretendia manter-se isento de influências externas. O Tibete era, portanto, um Estado religioso governado por seu sacerdote supremo e não mantinha relações diplomáticas com outras nações do mundo.

É dessa terceira tradição budista que o dalai-lama é o principal representante. No entanto, por suas características pessoais, bem como por questões políticas, ele preferiu não se manter isolado num monastério como seus antecessores, mas, da mesma maneira que o papa João Paulo 2º, viajar mundo a fora para expor a um grande número de pessoas os ensinamentos de sua religião.

Budismo itinerante
Na verdade, ele chegou a deixar de lado o lado ritualístico do vajrayana, para concentrar-se na apresentação dos quatro princípios básicos do budismo, os quais ele não considera incompatível com nenhuma outra religião, propondo e aceitando diálogos entre o budismo, o cristianismo, o islamismo e o hinduísmo. Procurou ainda mostrar como é possível levar-se adiante a prática budista no tipo de mundo ou sociedade em que vivemos hoje.

A situação itinerante do dalai-lama também se deve a questões políticas. Em 1950, a China comunista invadiu e ocupou o Tibete, procurando eliminar as crenças religiosas profundamente arraigadas na tradição nacional-popular, para substituí-las pela doutrina marxista. Em 1959, explodiu uma rebelião contra os chineses, violentamente reprimida e o dalai-lama foi obrigado a fugir do país, exilando-se no norte da Índia, onde estabeleceu um governo do Tibete no exílio, na cidade de Dharamsala.

Porém, o dalai-lama, segundo ele mesmo, ocupa 80% do seu tempo com questões religiosas e 20% com as questões políticas. Sua missão é apresentar os quatro principais pontos do budismo ao mundo ocidental.

Os princípios básicos
Quais são os quatro princípios básicos do budismo? 1) O sofrimento está sempre presente na vida humana; 2) o sofrimento se origina no apego excessivo aos nossos desejos; 3) eliminando-se os desejos, elimina-se o sofrimento; 4) oito práticas permitem a libertação do apego aos desejos, dentre elas se destacam a compaixão pelos nossos semelhantes e a meditação.

A libertação, também chamada de iluminação ou nirvana, equivale a atingir um estágio de consciência que põe você em comunhão com você mesmo e, nesse sentido, proporcionaria, para alguns a eliminação total do sofrimento, para outros, a felicidade. Como se trata de uma busca de uma realidade interior a cada ser humano, o budismo dá mais atenção às práticas dos que às crenças.

Budismo e filosofia
Nesse sentido, o próprio Buda não considerava a doutrina que ele desenvolveu como uma religião propriamente dita, mas como uma filosofia. Esse modo de compreender o budismo, por sinal, encontrou eco na filosofia alemã do século 19, quando o filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860) estruturou sua visão de mundo. Foi ele, aliás, quem divulgou o budismo na Europa.

Curiosamente, certas noções budistas apresentam grande semelhança com os conceitos do estoicismo, filosofia que se desenvolveu na civilização helenística, entre os século 2 a.C. e 3 d.C., e que também considerava o sofrimento uma realidade inerente à vida humana e propunha sua superação através da resignação ao sofrimento e da abstenção dos prazeres, o que chamavam de ataraxia.

Por fim, é interessante deixar clara a existência de mestres budistas contemporâneos, não necessariamente orientais, como o inglês Stephen Batchelor, autor do livro "Budismo sem crença", que propõe que o budismo pode ser agnóstico, no sentido que o filósofo Thomas Huxley (1825-1895), deu ao termo: o de simplesmente não se preocupar com a existência ou inexistência de um Deus ou de uma realidade transcendente a essa que nos encontramos.

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