Bioética - A ética aplicada aos problemas da medicina
Carlos Alberto Pessoa Rosa
A sensação que se tem hoje é a de que a ciência e seus prolongamentos técnicos não cumpriram a almejada emancipação e felicidade da espécie humana. Se na Idade Média estava atrelado à religião e aos seus dogmas, agora o homem é prisioneiro da técnica e da produção.
A ética surge para tentar diminuir a distância que se abriu entre o meio (tecnologia) e o fim, pela necessidade de um instrumental que responda adequadamente as questões entre a ciência e os valores (morais); bem como pela necessidade de se retomar a dignidade humana, abalada pelas guerras, pelos regimes totalitários e pela própria pesquisa humana.
A bioética é uma das formas de ética aplicada, cujo objetivo seria tratar das questões de valor nas ciências da vida, medicina e cuidados ambientais e de saúde. O termo foi utilizado pela primeira vez em 1970 no livro "Bioética. Ponte para o futuro", do bioquímico norte-americano Van Potter.
A bioética e a nova realidade
Etimologicamente, Bíos é vida humana em grego, e Ethiké, caráter, hábito. Em grego ainda, temos Biotós, vida boa, que vale a pena viver. Com a explosão de um bíos tecnocientífico, atrelado a um ethós liberal, os antigos instrumentos de uma ética prática, quais sejam, de beneficência, não maleficência e justiça, já não respondem às expectativas da sociedade.
Como conseqüência, na década de 70, com a desconfiança na competência técnica, a expansão da escola pública e os movimentos em prol dos direitos civis, surge o princípio da autonomia, com status de direito moral e legal, que devolve ao cidadão o direito de dividir as decisões sobre sua saúde e tratamento, originando, então, o consentimento informado.
Mais recentemente, a alteridade (o outro sou eu) preenche o vazio, permite uma tematização da bioética, coloca a pessoa como sujeito e protagonista, usuário e crítico, responsável pelos serviços de saúde, rompendo com o paternalismo e absolutismo antigos. A pessoa passa a ser o fundamento de toda reflexão e de toda prática ética.
Saúde e qualidade de vida
Três décadas após Potter, a biomedicina, através da ação sobre o corpo, remodela e recria o homem, transforma a natureza, troca partes, coloca próteses, transplanta, insemina gametas, manipula genes. Desde a Antigüidade a medicina tinha um olhar para a cura e outro para a prevenção. Na pós-modernidade, a promoção de saúde e o conceito de qualidade de vida acrescentam à visão preventiva, enquanto a medicina restaurativa acrescenta à visão curativa.
É a medicina desiderativa, também chamada do desejo, transformadora ou remodeladora, que nos abre os maiores dilemas éticos. Também os encontraremos na medicina preditiva, pela capacidade de predizer mal-formações, a suscetibilidade às doenças, com implicações médicas, profissionais e afetivas, na medicina psicoindutiva, pelo controle da mente com medicamentos e cirurgias, na medicina paliativa, com as questões da ética de final de vida - mistanásia, eutanásia, ortotanásia e distanásia -, na medicina permutativa, com a bioengenharia e os transplantes, e na medicina perfectiva, com o objetivo de melhorar a raça.
Humanização da medicina
A necessidade de humanizar a medicina e o direito de acesso às tecnologias aplicadas no início e no final da vida respondem por grande parte dos conflitos éticos existentes nos países pobres. Um sistema justo deve garantir a distribuição eqüitativa e universal dos benefícios dos serviços de saúde, o que levanta a questão dos critérios que deverão nortear as prioridades em saúde pública.
Com o impacto ético caberá à biomedicina esclarecer a questões relacionadas à alocação de recursos, à reprodução assistida, aos transplantes de órgãos, ao aborto e começo da vida, à eutanásia e o fim da vida, e à investigação biomédica.