Nicolau de Cusa - A natureza como síntese da necessidade absoluta e da contingência
Cardeal, administrador e filósofo alemão, nascido em 1401 em Cusa (hoje distrito de Bernkastel-Kues), e morto em Todi, na Úmbria italiana, a 11 de agosto de 1464, pouco se conhece da formação de Nicolau de Cusa em Deventer. Mas sabemos que, em 1416, é matriculado na Universidade de Heidelberg, mudando-se um ano depois para Pádua, onde, em 1423, recebe o grau de decretorum doctor (doutor em direito canônico) sob o auspício do famoso cardeal Giuliano Cesarini.
Nicolau de Cusa tornou-se, em sua vida acadêmica e eclesiástica, amigo de muitos humanistas, cientistas como Paolo Toscanelli e inventores como Gutenberg (Cusa chega a contribuir com a impressão de manuscritos gregos). Recebe do papa Eugênio 4º o título de cardeal, mas dignamente o recusa, só sendo convencido a aceitá-lo pelo papa seguinte, Nicolau 5º. Em 1449, é proclamado cardeal-presbítero, e em 1452 torna-se legado do papa na Alemanha, cargo que lhe exige grandes esforços.
Dedicado ferrenhamente à reforma do calendário e à unificação da cristandade, envolve-se na resolução de diversos problemas político-eclesiásticos. Chega a ser preso pelo turbulento duque Sigmund, de quem receberia os maltratos que acabariam antecipando a data da sua morte.
Nicolau de Cusa faleceu em Todi, cidade da Úmbria italiana, na presença de seus amigos, em 11 de agosto de 1464. Seu coração está depositado frente ao altar, no hospital de Cusa, que ele próprio fundou.
Tido por muitos como um filósofo de grande ecletismo, é possível identificar em seu sistema desde a mística neoplatônica até o nominalismo racionalista dos franciscanos da Escolástica decadente.
Nicolau de Cusa é reconhecido como a grande figura na transição do pensamento medieval para o pensamento moderno, sendo gestado no Renascimento e em seu decurso repleto de contrastes. Nesta época, tanto o misticismo quanto o cientificismo matemático e astronômico crescem com muita força, e essa tensão é bem representada por Nicolau de Cusa em obras filosóficas, como Docta Ignorantia, e teológicas, como De Visione Dei. O filósofo também escreveria trabalhos de cunho jurídico e científico.
Docta Ignorantia
Cusa distinguia quatro graus de conhecimento: 1) os sentidos, que nos dão imagens confusas da realidade; 2) a razão, que lhes proporciona ordem; 3) o intelecto ou razão especulativa, que as unifica; e, finalmente, 4) a contemplação intuitiva, que alcança, na ascensão a Deus, o conhecimento da unidade dos contrários.
Este conhecimento de Deus se dá por via negativa (seguindo a tradição dos místicos agostinianos pré-escolásticos, como Erígena e Pseudo-Dionísio), negando os conhecimentos um por um, já que eles são formas particulares de compreender o ser; de certo modo, porém, é também um conhecimento positivo, porque, ao não predicar nada de Deus, lhe dá a predicação de realidade infinita.
Segundo Cusa, a "unidade dos contrários", a coincidentia oppositorum, ou "unidade suprema", é o próprio Deus. A divindade é a possibilidade de todas as coisas, o possest (posse-est), isto é, o "poder ser" de um modo real e absoluto. Mas essa potência não se resume nem a um maximum nem a um minimum, porque abarca todas as manifestações possíveis do ser.
No infinito, o número máximo coincide com o mínimo, porque nada no infinito pode ter limite, isto é, se transformar em uma unidade quantificável, pela mesma razão que não podem haver dois infinitos. Deus é, assim, o ponto de convergência de todas as oposições, de todas as contradições, de todas as contrariedades e graus possíveis.
Por isso, o homem desejoso de elevar sua alma até a unidade suprema deve renunciar a toda afirmação e a toda negação. Deve meditar a ponto de privar-se das mais fundamentais contrariedades em seu espírito, e então Deus aparecerá aos poucos, como a água preenchendo o recipiente vazio.
Esta é a Docta Ignorantia, a douta ignorância, porque, ignorando o que há, torna-se conhecedora da profunda e suma verdade do universo, torna-se a verdadeira sabedoria. Cusa professa assim uma certa intelectualização da via negativa da tradição mística cristã. Neste seu esforço, acabaria influenciando enormemente o panteísmo de Giordano Bruno e Spinoza e o racionalismo de Hegel.
Na tradição cristã, Santo Agostinho e seu grande seguidor escolástico, São Boaventura, já haviam utilizado a expressão docta ignorantia com o sentido da "douta postura" que o homem adquire em seu recebimento do espírito de Deus. Como diz Cusa, "a precisão da verdade brilha incompreensivelmente nas sombras de nossa ignorância".
Na Antiguidade, Sócrates de certa forma também afirmava que, entre o falso conhecimento de muitas coisas e o verdadeiro conhecimento de sua própria ignorância, haveria de ser este último a verdadeira sabedoria. A ignorância sapiente não é uma posse, mas uma disposição.
(Essa obra de Cusa foi um tanto polêmica à época, e, na sua defesa, ele chegou a alcunhar seus opositores de "seita aristotélica", por considerarem uma heresia a coincidência de opostos.)
O mundo como exteriorização de Deus
Para Cusa, a unidade do universo aparece em três modos de existência:
1) Enquanto possibilidade ou necessidade absoluta;
2) Enquanto necessidade limitada ou realidade; e
3) Enquanto união da possibilidade e da realidade.
A multiplicidade do mundo é uma exteriorização (explicatio) de uma possibilidade (complicatio - concordância dos contrários) que existe na unidade infinita de Deus, que é infinito ato e infinita possibilidade. Deus é Um, é todo ser possível, é o que não é e o que é, é o que quer que se afirme ou se negue.
A razão, por sua vez, não pode atingir a síntese dos contraditórios, pois só progride através de verdades naturalmente evidentes. A mística e a lógica não podem se confundir, porque a unidade antecede a alteridade, e a razão é inferior ao entendimento, pois ela não consegue conceber a unidade atualmente.
A natureza para Cusa é a síntese da necessidade absoluta (de onde ela procede) e da contingência (sem a qual ela não é). Ou seja, Deus se opõe ao Nada, e o Ser é o meio-termo entre eles. A criatura não é, assim, nem ser, pois é imperfeita, nem não-ser, porque precede ao nada. Aristóteles, dizia Cusa, teria errado ao não conceder que os contrários pudessem sintetizar-se em uma mesma realidade.
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