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Escravidão - Brasil tem cerca de 30 mil trabalhadores escravos

Ronaldo Decicino

A escravidão ainda não está restrita aos livros de história. Ao contrário do que muitos pensam, ela ainda existe, tanto nos países pobres como nos desenvolvidos. Produto da desigualdade e da impunidade, a escravidão é uma grave doença social.

O trabalho escravo contemporâneo não é o mesmo das senzalas e do tráfico negreiro. Ele mudou e assumiu outras feições, mas manteve a característica de privar o ser humano de sua dignidade. Na atualidade, a escravidão pode ocorrer de diversas maneiras: prostituição infantil, tráfico de órgãos, tráfico internacional de mulheres, exploração de imigrantes ilegais e escravidão por dívida.

Em nenhum país o problema está livre de ocorrer. Embora as legislações modernas proíbam a escravidão, uma minoria continua se beneficiando do trabalho escravo.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define trabalho escravo como um trabalho degradante, exigido de um indivíduo sob ameaça de alguma punição, e para o qual o referido indivíduo não se apresentou voluntariamente.

Quando se fala de trabalho escravo, remete-se a um crime que cerceia a liberdade dos trabalhadores, sendo que essa falta de liberdade se dá por meio de quatro fatores: (1) apreensão de documentos; (2) trabalho supervisionado por guardas armados e "gatos" (contratadores de mão-de-obra que fazem a ponte entre o empregador e o peão) de comportamento ameaçador; (3) dívidas ilegalmente impostas; e (4) características geográficas do local, que impedem a fuga.

Casos de servidão ou peonagem

No Brasil não existe uma estatística exata de quantos trabalhadores permanecem em situação de trabalho escravo. O número de trabalhadores escravos varia de 25 mil, segundo cálculo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a 40 mil, de acordo com a estimativa da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

Os serviços de pecuária e desmatamento respondem por três quartos da incidência de trabalho escravo. Atividades agrícolas, de extração de madeira e produção de carvão também registram muitos casos.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Estado do Pará é o que apresenta maior incidência de casos, seguido pelos estados do Maranhão, da Bahia e do Piauí. Ou seja, a incidência de trabalho escravo está concentrada nas regiões de expansão agropecuária da Amazônia e do Cerrado. Contudo, há casos confirmados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o que demonstra que a origem desse fenômeno não está vinculada apenas à fronteira agrícola.

A forma de trabalho forçado mais encontrada no Brasil é a da servidão ou peonagem, na qual, em troca do acesso à terra, a pessoa fica obrigada a trabalhar e a viver nela para saldar uma dívida. Mas isso ocorre sem que o valor das tarefas executadas seja aplicado na liquidação da dívida de forma justa ou que a duração e natureza do serviço estejam claramente definidas.

Na servidão por dívida, os trabalhadores são obrigados a consumir alimentos, roupas, ferramentas, etc. por preços abusivos, em locais instalados no interior das propriedades "empregadoras". Também são debitadas em sua conta as despesas com hospedagem, alimentação e transporte. Em geral, escravizam-se pessoas pobres e desprovidas de posses, mais vulneráveis a cair nessas armadilhas.

Vários são os motivos que obrigam o trabalhador a sair de sua cidade em busca de trabalho: a seca, a falta de terra para plantar, a ausência de incentivos dos governos para a fixação do homem no campo, os altos juros do crédito agrícola, o desemprego nas pequenas cidades do interior, etc.

Ao ouvir rumores de que existe oferta de emprego em fazendas, quase sempre em locais distantes, o trabalhador vai para esses lugares espontaneamente ou é aliciado pelos "gatos". Chegando ao local de trabalho, percebe que a realidade é bem diferente da prometida pelos contratadores. A dívida por conta do transporte aumentará num ritmo acelerado, uma vez que os gastos com materiais de trabalho pessoal, refeição, alojamento, remédios, etc., também serão cobrados, quase sempre em valores altíssimos. Assim, no dia do pagamento, o trabalhador descobre que sua dívida é maior do que o total a receber, o que o obriga a continuar trabalhando e, claro, fazer novas dívidas.

Fiscalização

No Brasil, apesar do aumento na eficiência da fiscalização, ainda há muito para ser feito. Entraves jurídicos - e a carência de políticas públicas específicas - impedem que milhares de pessoas alcancem a liberdade. Além disso, as indefinições jurídicas, a impunidade e a falta de uma política fundiária eficaz têm garantido a utilização de mão-de-obra escrava em fazendas, garimpos, bordéis, indústrias e estabelecimentos comerciais.

Somente a partir de 1993 o problema entrou de fato na agenda nacional, a partir de denúncias da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de vários sindicatos, da OIT, das Nações Unidas e de outras instituições. Em 1995, foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho. Entre 1995 e 2005, segundo dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, foram fiscalizadas mais de 1.100 fazendas e libertados cerca de 18 mil trabalhadores.

Em março de 2003 o governo lançou o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, que reúne 76 medidas de combate à prática de trabalhos forçados. Entre elas, um projeto de lei que estabelece o confisco das terras em que se utilizar trabalho escravo, a suspensão do crédito a fazendeiros escravocratas e a transferência dos crimes contra os direitos humanos para a esfera federal.

Estima-se que, atualmente, existam 25 milhões de pessoas cativas em todo o mundo.

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