Gilberto Freyre - Conheça o autor de "Casa Grande e Senzala"
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
A publicação de "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, em 1933, acabou se transformando em um marco da cultura brasileira. Para o antropólogo Darcy Ribeiro, trata-se do "mais brasileiro dos livros já escritos". No entanto, o livro não foi bem aceito por intelectuais conservadores nem pela Igreja Católica, uns incomodados pela defesa da mestiçagem e da herança negra, outros pela descrição da vida sexual na colônia.
Na década de 1930 era predominante no pensamento brasileiro a defesa da eugenia e a ideologia do branqueamento da raça. No campo internacional, em alguns países, consolidava-se o racismo como política de Estado, como na Alemanha nazista. É neste cenário adverso que foi publicado o primeiro livro do pernambucano Gilberto Freyre.
Três anos depois da publicação de "Casa Grande & Senzala" foi editado "Sobrados e Mucambos", uma espécie de continuação daquela primeira obra, centrada no século 19, ainda no período imperial. Somente em 1959 a trilogia foi completada com "Ordem e Progresso", livro que tem seu foco no estudo da transição do império para a república.
Com esses três livros, Gilberto Freyre construiu um amplo painel da sociedade brasileira, estudando as transformações econômicas ocorridas no país desde o ciclo da cana-de-açúcar até a nascente industrialização, já no século 20.
Uma obra prolífica
Freyre publicou mais de 30 livros; alguns deles foram traduzidos em mais de 15 países. Deu aulas em universidades latino-americanas, nos Estados Unidos e na Europa. Na construção dos seus livros, trabalhou com fontes pouco utilizadas pelos pesquisadores até então, como anúncios de jornal, relatos de história oral e cantigas de época.
Sua atuação política também não pode ser esquecida. Freyre trabalhou como assessor e como uma espécie de chefe de gabinete do governador Estácio Coimbra, em Pernambuco, no final da República Velha, e depois, em 1946, como deputado constituinte. Atuou também no Congresso como crítico da discriminação racial e defensor das demandas históricas da região Nordeste.
Freyre também participou dos embates políticos por meio de conferências e artigos. Mostrando como sua visão política era heterodoxa, acabou flertando com o colonialismo português na África, o que se pode ver na leitura de "O Mundo que o Português Criou" ou "Aventura e Rotina". Também apoiou o regime militar brasileiro.
Mesmo assim, a sua obra, especialmente a trilogia que teve início com "Casa Grande & Senzala", teve um caráter revolucionário no Brasil, acentuando um paradoxo entre a atuação política de Freyre e seu brilhante trabalho de pesquisa sobre o patriarcado rural brasileiro.
Um sistema econômico, social e político
Para o autor, "a casa-grande, completada pela senzala, representa todo um sistema econômico, social, político: de produção (a monocultura latifundiária); de trabalho (a escravidão); de transporte (o carro de boi, o banguê, a rede, o cavalo); de religião (o catolicismo de família, com capelão subordinado ao páter-famílias, culto dos mortos, etc.); de vida sexual e de família (o patriarcalismo polígamo); de higiene do corpo e da casa (o 'tigre', a touceira de bananeira, o banho de rio, o banho de gamela, o banho de assento, o lava-pés); de política (o compadrismo). Foi ainda fortaleza, banco, cemitério, hospedaria, escola, santa casa de misericórdia amparando os velhos e as viúvas, recolhendo órfãos".
A defesa da miscigenação é um dos pontos altos do livro: "Sem deixarem de ser relações - as dos brancos com as mulheres de cor - de 'superiores' com 'inferiores' e, no maior número de casos, de senhores desabusados e sádicos com escravas passivas, adoçaram-se, entretanto, com a necessidade experimentada por muitos colonos de constituírem família dentro dessas circunstâncias e sobre essa base. A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que doutro modo se teria conservado enorme entre a casa-grande e a mata tropical; entre a casa-grande e a senzala."
"Casa Grande & Senzala" tem como centro analítico o Nordeste açucareiro. Suas teses não devem ser generalizadas para o mundo colonial da América Portuguesa. A economia mineradora, por exemplo, no século 18, teve uma estrutura econômico-social distinta, apesar de ter também no escravo sua principal força de trabalho.