Literatura de cordel - Getúlio Vargas é presença constante nos folhetos
O poeta popular da literatura de cordel é um representante do povo, uma espécie de repórter dos acontecimentos da vida no Nordeste do Brasil. Os temas para a criação de um folheto podem variar muito. No entanto, um dos mais marcantes personagens de histórias desse tipo de literatura popular é o ex-presidente Getúlio Vargas.
Nascido em 19 de abril de 1882, na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul, Getúlio teve sua vida e sua trajetória política esmiuçada nos versos dos poetas populares.
O gesto trágico de seu suicídio, em 24 de agosto de 1954, em especial, forneceu material abundante para os versos do cordel. A presença de Vargas atingiu tal dimensão que foram impressos e vendidos 2 milhões de folhetos sobre sua morte, num total de 60 títulos.
Ações de Getúlio na área trabalhista
As opiniões sobre as ações de Getúlio na área trabalhista são as mais variadas possíveis. Existem aqueles que relembram suas ações pela criação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943), pela criação da carteira de trabalho, pelas férias remuneradas etc. No entanto, há os que destacam que todas essas ações respondiam em verdade a apelos, mobilizações, greves, enfim, a uma intensa atividade dos trabalhadores em busca de seus direitos, já a partir dos anos de 1910.
Este embate entre memórias é algo que os historiadores e pesquisadores de outras áreas das ciências humanas têm estudado minuciosamente. Além disso, é fundamental perceber o quanto os meios de comunicação influenciaram na criação de determinados imaginários. Entre esses meios pode-se incluir a literatura de cordel que, durante os anos dos governos de Vargas, funcionava como um verdadeiro jornalismo popular para os brasileiros, principalmente a população nordestina.
Linguagem simples e ritmada
A literatura de cordel é um "meio de comunicação" com o qual boa parte da população nordestina está acostumada a conviver. Sua linguagem simples e ritmada fez e ainda faz com que diversas pessoas procurem se alfabetizar com a intenção de compreender os versos do cordel ou até mesmo se tornar um poeta popular.
Essa literatura consegue captar os sinais emotivos de seu público, intensificá-los ou podá-los. O cordel demonstrou sua importância ao difundir valores e homogeneizar a imagem de Vargas como legítimo condutor do povo.
Nos anos de 1930 a 1945 e principalmente depois de 1937, com a introdução das leis trabalhistas, Vargas se torna a principal temática da literatura de cordel. Os poetas populares, por meio de uma linguagem específica, aproximam seu público dos fatos nacionais e internacionais mais relevantes. Deixaram, assim, no imaginário desse grupo, relativamente afastado de todo o aparato propagandístico mobilizado pelo Estado Novo, a imagem positiva de Vargas.
Um bom líder
Os folhetos de cordel ocultavam o confronto entre a burguesia e a classe trabalhadora, além de silenciar quanto à maneira como os discursos de Vargas eram recebidos em São Paulo, uma vez que o programa desse governante não era aceito prontamente.
Como na maioria dos meios de comunicação, os folhetos demonstravam que Vargas encarnava as prerrogativas de um bom líder, capaz de captar e colocar em prática as aspirações populares. O mesmo era pregado pelo discurso do Estado Novo, no qual o chamado "pai dos pobres" sintetizava as características de infalibilidade e de compreensão das forças históricas.
O sorriso, o carisma, a personalidade e toda a construção ideológica sob a atuação política de Vargas colaborou para que parte da população brasileira não compreendesse o Estado Novo como uma limitação dos direitos civis do brasileiro. O poeta João Martins de Athayde (em "Homenagem da musa sertaneja ao grande chefe da nação Doutor Getúlio Dornelles Vargas e ao digno Interventor Pernambucano Doutor Agamenon Magalhães", 1938) tenta justificar o sistema:
Liberdade exagerada
Se transforma em escravidão
O rico a esmagar o pobre
Reduzindo à escravidão,
A fome, a necessidade
Daquele que não tem pão.
"Concessões"
Algumas "concessões" (suas ações são apresentadas dessa maneira) feitas aos trabalhadores foram continuamente lembradas nos folhetos, contribuindo para a popularização de Vargas. A Lei de Férias, que na verdade é resultante de uma luta que usou como recurso as greves, e a sindicalização, extremamente combatida pelos trabalhadores e que gerou a dissolução de movimentos sociais independentes, foram apresentadas como frutos da ação de Vargas. Segundo os poetas do cordel, essas medidas protegeriam o povo de seus exploradores habituais.
Os pronunciamentos de Vargas vão se transformando em linhas mestras de conduta e os intelectuais ligados direta ou indiretamente ao regime se tornam intérpretes da nova ordem. Os poetas populares desenvolvem um papel parecido. Eles inclusive sabiam o quanto seus escritos tinham prestígio e poder. Vários políticos se valiam de seus folhetos para fazer propaganda política. Entretanto, é importante frisar que os poetas populares não eram financiados e nem ao menos preparados para exercer tamanha influência. Seus escritos respondiam às expectativas de seu público e obviamente não contrariavam o ideário da região, porque é da venda dos folhetos que muitos poetas populares tinham seu sustento.
Suicídio
Praticamente todas as ações políticas de Vargas são retratadas nos folhetos que nos anos de seus mandatos tiveram tiragens nunca vistas. Entre os principais assuntos esteve seu suicídio. Naquele momento diversos grupos da população brasileira organizaram manifestações e se colocaram contrários aos opositores de Vargas. Na literatura de cordel não foi diferente. Os poetas populares relembravam as "concessões" que Vargas havia feito aos trabalhadores e sua imagem se construía como aquele que sentiu e respondeu aos apelos da população brasileira.
No trecho que se segue, Manoel D'Almeida Filho cria um diálogo entre Tancredo Neves e Getúlio Vargas, no qual Vargas apresenta suas realizações - este trecho pode ser encontrado no folheto "Encontro do presidente Tancredo com o presidente Getúlio Vargas no Céu":
Você sabe que deixei
O país passando bem
Criei as leis trabalhistas
Os institutos também
Para que o povo não fossem
Mais escravos de ninguém
Criei o Salário Mínimo
Por todos obedecido
Somente uma vez por ano,
Ficou estabelecido,
Era a primeiro de maio
O aumento concedido.
Alcance do cordel
Dentro de todo um quadro construído para conter possíveis oposições ao regime, os poetas populares contribuíram com seus escritos, embora tenham questionado alguns aspectos do governo de Vargas. Mas o importante é perceber que, baseada nas realizações materiais governamentais (reais ou não), a imagem de Vargas foi propagada por todos os cantos. A ideologia do trabalhismo, associada ao pensamento político autoritário que marcava a ideologia de Estado no Brasil, atribuía a Vargas virtudes extraordinárias. Daí surgiu uma espécie de "religião civil", com um exército de fieis seguidores de seu líder.
Assim, percebemos a importância e o alcance da literatura de cordel junto às camadas populares. Como afirmou Rodolfo Coelho Cavalcante, reconhecido poeta popular, em entrevista de janeiro de 1971: "O sertanejo sabe pelo rádio ou por ouvir dizer os acontecimentos importantes. Mas acredita só quando sai no folheto.
Veja trechos de outros poemas de cordel
Getúlio Dornelles Vargas
Estrela que não se apaga
É astro que ilumina
Zéfiro que não se apaga
Rochedo que não desdenha
É barco que não naufraga.
Getúlio Dornelles Vargas
É musa que me inspira
É imagem que se adora
É o ar que se respira
É valsa que nos enleva
É gloria que não se tira (...)
Getúlio Dornelles Vargas
É a flama do heroísmo
Bandeira da nossa História
Lema do patriotismo
Símbolo vivo do trabalho (...)
Trecho do folheto “A vitória de Getúlio Vargas”, de Rodolfo Cavalcante.
Getúlio não poupou tempo
No palácio do Catete
A lei era exercida
Sem precisar do cacete
Respondia qualquer carta
Atendia até bilhete
Governou este país
Com saber de Salomão
Foi quando viu o Brasil
Maior civilização
Atos de patriotismo
Respeito a religião!
Foram criados sindicatos
Ministério dói Trabalho
Foi onde a classe operária
Teve melhor agasalho
Decretando 8 horas
Pra gente bater o malho (...)
Trecho do folheto de Antonio Teodoro dos Santos
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