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Breve história da Ética - Religião, moral e razão

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Para os filósofos e teólogos medievais, como Santo Tomás de Aquino (1225-1274), a felicidade plena só se encontra na união plena do ser humano com Deus. Desde a expansão do cristianismo, a cultura ocidental ficou marcada por uma tradição moral cujo fundamento se encontra em valores religiosos. Nessa perspectiva, os valores são considerados transcendentes, porque resultam de doação divina, e o homem moral só pode ser alguém que obrigatoriamente ama e teme a Deus.

No entanto, a partir da Idade Moderna, a moral passou a ser considerada a partir de um ponto de vista laico, isto é, não religioso. Portanto, ser moral e ser religioso deixaram de ser as mesmas coisas, tornando-se perfeitamente possível admitir que um homem ateu seja moral. Ou, mais ainda, que o fundamento dos valores morais não se encontra em Deus, mas no próprio ser humano.

O século 18 ficou conhecido como o "Século das Luzes" porque em todas as expressões do pensamento e atividade do homem, a razão se tornou o instrumento para interpretar e organizar o mundo. Metaforicamente, ela iluminaria as trevas da ignorância, o obscurantismo. Recorrer à razão também implicava recusar a intolerância religiosa, bem como rejeitar o critério da autoridade, personificada no Papa.

Para Immanuel Kant (1724-1804), um dos maiores expoentes da filosofia dessa época, a ação moral tem caráter autônomo, pois o homem é o único ser capaz de se determinar por meio de leis que a própria razão estabelece. Assim, a moral iluminista é racional e laica (não-religiosa), e acentua o caráter pessoal da liberdade do indivíduo e o seu direito de contestação. Também é uma moral universalista, porque, apesar de admitir as diferenças dos costumes dos povos, aspira por encontrar o núcleo comum de valores universais.

O homem concreto

A partir do final do século 19, bem como no decorrer do século 20, os filósofos passaram a se posicionar contra essa moral kantiana, fundada numa razão universal e abstrata. Tornou-se mais importante encontrar o homem concreto, que pratica a ação moral. É nesse sentido que se pode compreender o esforço de pensadores tão diferentes como Friedrich Nietzsche (1844-1900), Karl Marx (1818-1853), Kierkegaard (1813-1855) e os filósofos existencialistas da primeira metade do século 20.

O pensamento de Nietzsche se orienta no sentido de recuperar as forças inconscientes, vitais e instintivas subjugadas pela razão durante séculos. Para tanto, ele faz a crítica do pensamento socrático, por este ter conduzido pioneiramente a reflexão moral em direção ao controle racional das paixões. Segundo Nietzsche, aí nasceu o homem fraco e desconfiado de seus instintos, num processo que culminou com o cristianismo e promoveu a "domesticação" do homem.

A moral cristã seria a moral do "rebanho", geradora de sentimentos de culpa e ressentimentos, fundada na aceitação do sofrimento, da renúncia, do altruísmo, da piedade, típicos da moral dos fracos. Por isso, Nietzsche defende a transmutação de todos os valores, superando a moral comum, para que os atos do homem forte não sejam pautados pela mediocridade das virtudes estabelecidas. Para tanto, é preciso recuperar o sentimento de potência, a alegria de viver, a capacidade de invenção.