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Quadrinhos e neocolonialismo - Mandrake, Lothar, ambiguidade e preconceito

Túlio Vilela

As tiras diárias de Mandrake,o mágico, estrearam nos jornais norte-americanos em 11 de junho de 1934. Mandrake se mostrou popular logo no início e não demorou muito para que suas aventuras fossem publicadas no mundo inteiro. No Brasil, o primeiro periódico a publicar as aventuras do mágico foi o já extinto Suplemento Juvenil, em 1935.

Basicamente Mandrake é um mágico de fraque e cartola que usa suas habilidades para combater o crime. Nos primeiros anos, ele possuía habilidades sobrenaturais de fato, mas com o decorrer do tempo, seus feitos se tornaram mais “verossímeis” sendo explicados pelos seus conhecimentos de hipnose e ilusionismo.

A tira foi criada pelo roteirista Lee Falk que inicialmente também desenhou algumas das primeiras tiras, mas logo passou a tarefa para o desenhista Phil Davis (1906-1964), que havia conhecido quando ambos trabalhavam numa agência de publicidade. Assim, Falk passou a se concentrar apenas nos roteiros e se tornou um dos mais prolíficos escritores de histórias em quadrinhos. Nos últimos anos de vida, Davis desenhava a tira com a assistência de sua esposa, Martha. Após a morte de Phil Davis, quem assumiu os desenhos foi o versátil artista Fred Frederick.

Locações exóticas

Boa parte das aventuras de Mandrake, especialmente as primeiras, são ambientadas em locações exóticas na África e na Ásia, continentes para os quais o mágico viaja quando sai dos Estados Unidos, onde reside numa cidade não identificada. A maior parte dos vilões enfrentados por Mandrake é formada por orientais, o que reflete o preconceito nos Estados Unidos e na Europa das décadas de 1930 e de 1940 em relação aos asiáticos.

Antes da Segunda Guerra Mundial, vilões chineses eram extremamente comuns nas produções baratas de Hollywood e nos romances do escritor inglês Sax Rohmer, criador do personagem Fu Manchu, o mais conhecido estereótipo de vilão chinês. Com a Segunda Guerra Mundial, o chamado “terror amarelo” deixou, por um tempo, de ser personificado pelos chineses e passou a ser representado pelos japoneses. A propósito, os romances de Rohmer exerceram clara influência em várias das tramas escritas por Lee Falk nas duas primeiras décadas de sua carreira, não apenas nas tiras de Mandrake, mas nas tiras de outro famoso herói criado por Falk: o Fantasma.

Vale destacar que, quando Mandrake foi publicado pela primeira vez em 1934, a Grã-Bretanha e outras potências europeias ainda controlavam muitos territórios na África e na Ásia, bem como as Filipinas ainda eram um “protetorado” dos Estados Unidos. Após o termino da Segunda Guerra, os movimentos anticolonialistas ganharão força nos países africanos e asiáticos, o que os levará à proclamação de independência política.

Primeiro negro

Apesar de suas habilidades, Mandrake não trabalha sozinho: conta com a ajuda de Lothar, um africano de grande força física. Lothar possui o mérito de ser o primeiro personagem negro de destaque numa história em quadrinhos norte-americana, antes dele, os poucos negros que apareciam nos quadrinhos eram personagens secundários ou não mais do que meros figurantes.

No entanto, nos primeiros anos da tira, Lothar era mais um estereótipo impregnado da visão racista dominante na época: as falas do personagem eram caracterizadas por um inglês truncado, vestia uma túnica feita de pele de leopardo e usava um chapéu turco.

Inicialmente, Lothar era o ajudante e guarda-costas de Mandrake. Antes de conhecer o mágico, Lothar era o príncipe de um conjunto de tribos africanas, mas abdicou do trono para trabalhar para o amigo. Ele abriu mão do trono real para se tornar um mero empregado! Bastante inverossímil! Não é à toa que os quadrinhos de Mandrake tenham sido tachados de racistas e de fazerem uma defesa do imperialismo e do neocolonialismo.

Nas tiras, Mandrake, mesmo sendo plebeu, por ser branco e norte-americano, ocupa uma posição social hierárquica superior à de Lothar, que embora seja de origem nobre, é negro e nativo de um país africano. É possível enxergar na história de Lothar uma metáfora para os paises africanos: a perda da soberania para estar a serviço de interesses estrangeiros.

Ajudantes e namoradas

Lothar foi primeiro de uma longa tradição nos quadrinhos de ajudantes de heróis pertencentes a minorias étnicas, invariavelmente representadas de maneira caricata e ofensiva. O herói mascarado Spirit (que também foi publicado no Brasil com o nome traduzido, “O Espírito”), criado por Will Eisner, em 1940, também tinha como ajudante um adolescente negro conhecido como Ébano Branco. O próprio nome do personagem era uma piada com a cor da sua pele, o que é bastante ofensivo para o público de hoje, mas que encontrava boa receptividade entre o público norte-americano das décadas de 1940 e de 1950 (quando as aventuras do Spirit foram originalmente publicadas).

Desde que as tiras de Mandrake passaram a ser desenhadas por Fred Fredericks, as histórias foram aos poucos se tornando mais “politicamente corretas”. A principal razão para isso foi o amadurecimento de grande parte do público, que passou a tolerar menos estereótipos racistas. Assim, embora tenha continuado a ser os “músculos” da dupla (enquanto Mandrake continuou a ser o “cérebro”), Lothar passou a falar de maneira articulada e ganhou um par romântico à altura: Karma, uma bela princesa africana que também segue a carreira de modelo. Até então, a presença feminina nas tiras se resumia à Narda, uma princesa europeia com quem Mandrake viveu décadas e uma série de belas mulheres (todas brancas ou asiáticas, nenhuma delas negra) que eventualmente flertaram com o mágico.

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