Revolução Russa - Início - Fim do czarismo e breve governo social-democrata
Antonio Carlos Olivieri
- Revolução russa (2) - Surge a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
- Revolução russa (3) - Quadro traz as datas dos principais acontecimentos
- Trotskismo - Teses e reflexões de Trotsky, o líder revolucionário comunista
- Bolchevismo - Bolcheviques, mencheviques, Lênin e a Rússia pré-revolucão
- Socialismo - Filósofos criticam o capitalismo e imaginam transformação
- Comunismo - Origens - Ideologia comunista remonta à Antigüidade
- URSS - O fim - Boris Ieltsin e o fim do regime socialista na Rússia
Nem econômica, nem militarmente a Rússia estava preparada para entrar na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Sua participação no conflito, portanto, foi uma sucessão de desastres, com números imensos de mortos e feridos. Além disso, a própria posição política do país na guerra era paradoxal: a Rússia aliou-se aos regimes democráticos da França e da Inglaterra, combatendo os Impérios centrais da Alemanha e da Áustria-Hungria (mais a Turquia).
No entanto, a Rússia não era uma democracia, mas uma autocracia: o czar (imperador) governava com poderes absolutos. O Parlamento ou Duma, instituído em 1906, mal e mal se opunha a ele. Para complicar, a czarina (imperatriz) era alemã e boa parte da corte simpatizava com a Alemanha, querendo mudar de lado no conflito. Para isso, não hesitavam em sabotar seus próprios exércitos, facilitando as vitórias adversárias.
Não bastasse tudo isso, o czar Nicolau 2º era um homem medíocre e indeciso, que sofria forte influência da esposa, Alexandra. Esta por sua vez estava praticamente dominada por um homem chamado Grigori Rasputin, um camponês que era ao mesmo tempo um místico e um charlatão e que passou a governar a Rússia, nos bastidores.
Rasputin aconselhava, por exemplo, a czarina a nomear um ministro à noite, alegando que Deus lhe transmitiu essa ordem. No dia seguinte, mandava demiti-lo, afirmando que o homem fora possuído pelo demônio. "A corte parece ora o zôo, ora o pátio dos milagres", escreveu um deputado russo da época.
Repressão policial
Esse governo caótico era mantido à força de violenta repressão policial a seus opositores, que eram muitos e que se manifestavam desde as últimas décadas do século 19, quando a Rússia começou a se industrializar - embora o país permanecesse essencialmente agrário nas primeiras décadas do século 20: 85% de seus 170 milhões de habitantes viviam no campo.
Tentando sublevar os camponeses contra o regime autocrático, existiam grupos ou organizações como os "narodniks" (populistas), socialistas revolucionários e anarquistas, mas não obtiveram grandes êxitos: eram formados por intelectuais de classe média, cuja visão do povo era basicamente idealizada. Havia ainda uma oposição liberal burguesa ao czarismo, que acreditava na possibilidade de criar uma monarquia constitucional e efetivamente parlamentar no país.
O Partido Social-Democrata
Entre os grupos de esquerda, destacou-se - por seu papel histórico - o Partido Social-Democrata, de orientação marxista. Este, porém, como em geral tem acontecido às agremiações marxistas, já surgiu praticamente dividido em dois grupos:
1) Os mencheviques (termo russo que significa "minoria"), que acreditavam que uma revolução socialista só podia acontecer na Rússia depois que essa se tornasse industrializada e capitalista, de acordo com o pensamento original de Karl Marx;
2) Os bolcheviques (que significa "maioria"), que defendiam a revolução imediata, com a implantação de uma ditadura do proletariado, conduzida por um partido operário-camponês, adaptando o pensamento marxista à realidade local.
Antes de prosseguir é importante lembrar que essa nomenclatura não corresponde aos fatos: os mencheviques eram a verdadeira fração majoritária do Partido Social-Democrata. Em sua própria maneira de autodenominar-se, os bolcheviques estavam contando sua primeira mentira. Contariam muitas outras.
A Revolução de março
Convém esclarecer que, quando se fala em indústria e operariado na Rússia de então, fala-se nas grandes cidades: Petrogrado (antiga São Petersburgo, a capital do país), Moscou e Odessa. Era nelas que os problemas econômicos iriam se fazer sentir mais acirradamente e que a miséria crescente iria levar o povo em fúria às ruas, em março de 1917. A revolução russa iniciou-se em Petrogrado, de maneira caótica, sem lideranças definidas. A massa via no fim do czarismo a solução para seus problemas.
As mulheres deram início aos protestos populares, devido ao racionamento de alimentos. Foram seguidas pelos operários, que fizeram greves. A polícia não tinha contingente suficiente para reprimir tantos manifestantes e o governo resolveu apelar ao exército. Os soldados, porém, também insatisfeitos com os rumos da guerra, confraternizaram com o povo. Formou-se o soviete (conselho) de operários e soldados de Petrogrado e criou-se um Comitê Executivo Provisório na Duma (12 de março).
Três dias depois, o czar Nicolau 2º abdicou o trono. Os acontecimentos políticos passaram a se suceder tão rapidamente que se torna impossível não fazer algumas simplificações didáticas. Após a abdicação, formou-se um Governo Provisório presidido, a princípio, pelo príncipe Lvov, e depois por um de seus ministros, Alexander Kerensky, já num um regime republicano. O poder, contudo, era parcialmente dividido com o soviete de operários e soldados de Petrogrado. O caos reinava na nova República russa.
Por trás do caos
Contudo, por trás do caos aparente, aproveitando-se dele, as elites industriais e financeiras procuravam se impor. Dominando o mercado e estabelecendo preços, estavam se lixando para a miséria das massas. Financiavam o Governo provisório, mas não deixavam de ajudar também a seus próprios opositores mais radicais - os bolcheviques - de modo a salvaguardar-se caso estes últimos conseguissem triunfar (muitos capitalistas, por sinal, conseguiram salvo conduto para deixar o país quando isso aconteceu).
O finaciamento dos bolcheviques pelos capitalistas denota a hipocrisia da política e das relações humanas. Cinismo contra cinismo: "Tenho dinheiro suficiente para me dar ao luxo de sustentar até mesmo meus inimigos", declarava um dos maiores capitalistas do país, em pleno governo Kerensky. "Eu pegaria o dinheiro do Diabo, se preciso, para servir à revolução", declarava, com a mesma desfaçatez, o líder bolchevique Vladimir Ilitch Ulianov, que passou à história com seu nome de guerra: Lênin.
Lênin
Em março de 1917, Lênin amargava o exílio na Suíça, tendo fugido da polícia do czar. Era um homem envelhecido para os seus 47 anos, sofria possivelmente de sífilis, e não acreditava que veria a revolução, à qual dedicara os últimos 27 anos de sua vida.
Os acontecimentos de março na Rússia, porém, deram-lhe novo ânimo. Através da Alemanha, ele retornou a seu país onde chegou em abril, anistiado pelo Governo Provisório. Foi recebido calorosamente por seus correligionários.
Sem dúvida um grande estrategista político, Lênin compreendeu a situação que seu país vivia e percebeu como tornar a revolução dos mencheviques, dos anarquistas, de outros socialistas e dos liberais burgueses na "sua" revolução. Em primeiro lugar, os camponeses russos queriam terra, coisa que o Governo provisório (também sustentado pelos grandes proprietários rurais) não poderia dar. Em segundo lugar, os operários queriam melhorar seu modo de vida, algo para que o capitalismo selvagem vigente no país não iria absolutamente contribuir.
Finalmente, os soldados queriam paz e o Governo provisório, que contava com o apoio da França e da Inglaterra, não podia de maneira nenhuma retirar-se do campo de batalha. Mas Lênin sabia que aquele não era o momento de se opor radicalmente ao Governo provisório, o que poderia favorecer uma reação czarista.
Todo poder aos sovietes
Era preciso atacar os mencheviques sutilmente, utilizando-se do poder paralelo dos sovietes, que, aos poucos, Lênin vai bolchevizar, isto é, converter à sua visão do marxismo, que mais tarde se chamaria leninismo. A prova de que sua estratégia era correta está na breve duração da República burguesa na Rússia: de março a novembro de 1917. Em novembro (pelo calendário russo, outubro), os bolcheviques dariam um golpe de Estado, tomariam o poder e mudariam os rumos do país e da história universal.
Antes disso, porém, Kerensky conseguia se equilibrar no poder. Conseguiu, inclusive, em setembro, frustrar um golpe de direita do general Lavr Kornilóv. Mas, para isso, precisou pedir auxílio aos bolcheviques (o que não deixa de ser uma demonstração de sua fraqueza). Kerensky foi perdendo terreno ao insistir na guerra, ao negar-se a promover uma reforma agrária e a adiar as eleições para uma Assembleia Constituinte que estabelecesse o arcabouço legal do novo país.
Outubro vermelho
Gradualmente, os bolcheviques se infiltravam nos sovietes e aumentavam sua influência junto aos operários e soldados em especial. Lênin foi forçado a deixar o país mais uma vez, mas Trotsky prosseguiu sua obra, dedicando-se especialmente à criação de uma milícia bolchevique: a Guarda Vermelha.
Desse modo, na noite de 6 de novembro (24 de outubro no calendário russo), os bolcheviques tomaram todos os pontos estratégicos de Petrogrado. O Palácio de Inverno do czar, que era a sede do governo, foi bombardeado e Kerensky fugiu, sem contar com tropas para se defender.
O partido dos bolcheviques estava no poder e começou a expedir decretos que, a princípio, pareciam atender aos interesses das massas: suprimiram as grandes propriedades, atribuíram a gestão das terras aos comitês de camponeses, estatizaram fábricas que passaram ao controle dos operários. Isso não significava, porém, que a utopia igualitária do socialismo estava se tornando realidade.
Em primeiro lugar, a oposição ainda era enorme. Em segundo lugar, ao lado dos bolcheviques estavam outros grupos de esquerda, como os socialistas revolucionários e os anarquistas, que não estavam dispostos a concordar com eles em tudo. Em terceiro lugar, a desordem era generalizada no país.
Vodka e sangue
Para se ter uma ideia dessa última afirmação basta apontar dois fatos: o governo bolchevique resolveu abrir o Palácio de Inverno do czar à visitação pública e o resultado foi o saque de tudo o que havia no local, especialmente das adegas do palácio onde homens e mulheres se embriagaram numa orgia que se estendeu por uma semana.
Conforme relata um historiador trotsquista, Isaac Deutscher, foram necessários sete tentativas de conter a festa, uma vez que só a sétima guarnição destacada para a tarefa conseguiu executá-la - as seis anteriores confraternizaram com o inimigo.
A questão do alcoolismo pode parecer cômica, mas teve um fim trágico: como a população invadia todas as adegas disponíveis e se embriagava, os bolcheviques começaram a dinamitá-las, sem se preocupar em retirar os bêbados lá de dentro.
A repressão aos opositores do novo regime se organizou rapidamente: além da Guarda Vermelha, formou-se a Tcheka - uma polícia política secreta com plenos poderes, comparável à Gestapo nazista. Desde sua criação, a Tcheka era um sinal evidente de que a revolução bolchevista não criaria a utopia socialista, mas o regime totalitário que Stálin comandaria, pouco depois da morte de Lênin, em 1924.