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Texto literário - Literatura e variedades linguísticas

Celina Bruniera, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Ninguém nasce lendo bem. Isso é algo que se aprende. E para aprender a ler é preciso ler. E isso acontece também e, sobretudo, com a leitura de textos literários. Adquirimos o prazer de ler literatura, lendo, analisando, atribuindo sentido(s) ao texto, discutindo-o entre amigos.

 

Todo texto pode ser lido de diferentes formas, dependendo dos objetivos da leitura e dos conhecimentos em jogo no ato da leitura. Quando lemos um texto literário, as possibilidades interpretativas aumentam, na medida em que os recursos linguísticos utilizados para a composição do texto transgridem as regras da linguagem, ou seja, podem-se atribuir às palavras sentidos diferentes daqueles que habitualmente estamos acostumados a lhes dar. Essa transgressão realizada pelo autor também leva o leitor a imaginar, a criar interpretações diversas para um mesmo texto.

Sabemos que a linguagem literária não é imediatamente acessível. Não porque não tenhamos capacidade de fazer essa aproximação, mas porque o homem não se utiliza cotidianamente de todas as possibilidades que tem para se comunicar ou para se expressar.

Comunicação restrita
A história nos mostra que há uma relação entre a forma como o ser humano produz sua vida e a forma como estabelece a interlocução com os outros homens. E o fato é que apesar de todos os meios e linguagens criados para os homens estabelecerem a interlocução, a comunicação humana acaba restrita objetiva, econômica (e nem sempre clara), o que constitui a marca dos textos midiáticos.

Mas por que será que temos tanta dificuldade para ler um texto literário? Se podemos nos comunicar com o mundo via Internet por que Edgar Allan Poe, Virginia Wolf, Ernest Hemingway, James Joyce, Graham Greene são tão inacessíveis? Justamente porque a linguagem que lhes é própria não nos é comum, isto é, ela não faz parte da nossa vida cotidiana.

Se a tarefa de ler textos literários já se constitui num desafio bastante grande em língua materna, supomos que para estudantes de língua inglesa ela seja ainda maior, em virtude dos significados culturais que a literatura revela e aos quais, muitas vezes, não temos acesso, justamente, por não estarmos inseridos em práticas sociais e de linguagem em que esses significados são transmitidos.

Textos literários
No entanto, é por meio da leitura, sobretudo de textos literários, que podemos nos aproximar desses significados culturais, atribuir-lhes sentido e conhecer e respeitar as diferenças culturais, sociais e linguísticas que a literatura tão generosamente reúne e nos presenteia.

Um dos presentes que o texto literário nos dá consiste na aproximação de mundos. Ao tematizar diferentes culturas, diversos modos e concepções de vida, diferentes formas de atribuir sentido à língua, o texto literário coloca em evidência povos, grupos sociais, valores, etc., aos quais às vezes só temos acesso por meio da própria literatura.

Um autor cuja obra busca revelar esses mundos é V. S. Naipaul. Ele nasceu em Trinidad em 1932 e foi para a Inglaterra em 1950, onde depois de 4 anos iniciava sua carreira de escritor de romances, de contos e de relatos das suas periódicas visitas à Índia e às ilhas do Caribe chamadas pelos ingleses de "West Indies".

Leremos um excerto de um de seus contos "Love, love, love, alone". O conto faz parte de uma coleção que recebeu o nome de Miguel Street premiada em 1959. É uma coleção cujas histórias se passam em Port of Spain, a capital de Trinidad, e tematizam a vida das pessoas pobres que lá moram.

Ao retratar a vida dessas pessoas, Naipaul também revela o uso que essas pessoas fazem da língua inglesa, os sentidos que atribuem a uma língua que lhes foi imposta nos anos de dominação britânica. Observe por exemplo o excerto que selecionamos:

"And through all these weeks, one question was always uppermost in our minds. How did a woman like Mrs Hereira get mixed up with Toni?

Hat said he knew. But he wanted to know who Mrs Hereira was, and also did we all. Even my mother wondered aloud about this.

Boyee had an idea.

He said, 'Hat, you know the advertisements people does put out when their wife or their husband leave them?'

Hat said, 'Boyee, you know you getting too damn big too damn fast. How the hell a little boy like you knowa thing like that?'

Boyee took this as a compliment.

Hat said, 'How you know anyway that Mrs Hereira leave she husband? How you know that she ain't married Toni?'

Você pôde notar a diferença que existe no uso da linguagem feito pelo narrador e pelas personagens. Essa diferença já revela a diversidade de mundos que a obra tematiza, mostrando que aqueles que moram em Port Spain não usam o inglês como o narrador de um texto literário. O uso que as personagens fazem da língua evidencia como o inglês chegou até elas e os sentidos atribuídos à língua pelas pessoas do lugar e daquele grupo social.

Sem que a obra reconstruísse o discurso daqueles que são do lugar por meio da fala das personagens não seria possível ao leitor se aproximar de seus mundos, de seus estilos de vida, de sua cultura.