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Antítese - Figura que explora a ideia dos "contrários"

Jorge Viana de Moraes, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

A canção Certas coisas de Lulu Santos e Nelson Motta, explora a noção de "contrários" presente em nossas vidas. Para construir essa poesia, os autores utilizaram uma figura de linguagem muito útil: a antítese. A palavra que vem do grego antíthesis. Anti quer dizer "contra" e thésis relaciona-se à afirmação. É uma figura de pensamento (categoria das figuras de linguagem) que consiste em opor a uma ideia outra de sentido contrário. O contraste pode tanto se estabelecer entre palavras, frases como entre orações.

Acompanhe trecho da música "Certas coisas":


Não existiria som se não
Houvesse o silêncio
Não haveria luz se não
Fosse a escuridão
A vida é mesmo assim
Dia e noite, não e sim


Os versos se constroem a partir de oposições, isto é, de antíteses: som-silêncio, luz-escuridão, dia-noite, não-sim.

As antíteses também estão presentes em provérbios, na boca povo: "Quem quer faz, quem não quer manda". A antítese é encontrada desde a poesia popular, passando pelos sonetos de Camões, muito frequente na poesia barroca e até chegar nos sonetos de Vinicius de Moraes.

Na poesia popular é fácil encontrarmos passagens como esta:


Atirei o limão correndo
Da Vila-Nova ao cais:
Pensei que te esquecia
Cada vez me lembras mais...


Neste exemplo, a antítese da trova é esta: "Pensei que te esquecia/ Cada vez me lembras mais", isto é, cada vez tu me és mais lembrada, mais me lembro eu de ti. Ou seja, há aqui a oposição entre o verbo esquecer e lembrar, ocasionando a antítese.

Em Camões, há este belo soneto:


Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;

Roga a Deus que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.


Podemos encontrar esta figura de linguagem nos seguintes versos: "Alma minha gentil, que te partiste/ Tão cedo desta vida, descontente, / Repousa no Céu eternamente / E viva eu na terra sempre triste".

Basicamente, o contraste nesta estrofe - e também nas demais - se configura, pela oposição entre o lá e o cá, isto é, entre o céu, o mundo espiritual, onde se encontra a amada, e o cá, que representa o mundo carnal, terreno, do poeta.

A antítese mostra a impossibilidade de união de dois mundos tão antagônicos como é o caso do mundo espiritual com o mundo carnal, representados no soneto, pelos advérbios lá e cá. No movimento barroco, a antítese era uma das principais características:


À instabilidade das coisas no Mundo

Nasce o sol, e não dura mais que um dia
Depois da luz se segue a noite escura
Em tristes sonhos morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o sol, por que nascia?
Se é tão formosa a luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no sol e na luz falte a firmeza
Na formosura não se dê constância
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância
E tem qualquer dos bens por natureza
E firmeza somente na inconstância.


Este soneto é de Gregório de Matos, um dois mais polêmicos poetas da nossa literatura, conhecido como "boca do inferno". Esse poeta baiano arrumou inúmeros desafetos por fazer severas críticas à sociedade de seu tempo, e nisso não poupava ninguém.

Nesse belíssimo soneto Gregório de Matos faz uso da antítese, principalmente, nesses versos em que ela é trabalhada em diversos níveis. Observe:
 

  • Através da oposição de orações: "nasce o Sol/ não dura mais que o dia" e "depois da luz/ se segue a noite escura".
  • E também de palavras de sentido contrário: dia-noite, luz-escura, tristeza-alegria.


  • Em "Soneto da Separação", um dos mais populares de Vinicius de Morais, as antíteses também são presentes:

    Soneto da separação

    De repente do riso fez-se o pranto
    Silencioso e branco como a bruma
    E das bocas unidas fez-se a espuma
    E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

    De repente da calma fez-se o vento
    Que dos olhos desfez a última chama
    E da paixão fez-se o pressentimento
    E do momento imóvel fez o drama.

    De repente, não mais que de repente
    Fez-se de triste o que se fez amante
    E de sozinho o que se fez contente

    Fez-se do amigo próximo o distante
    Fez-se da vida uma aventura errante
    De repente, não mais que de repente.


    O poema é quase todo composto com antíteses. Há as seguintes relações antitéticas que se dão ao longo dos dois quartetos de dois tercetos, assim:

  • riso x pranto;
  • calma x vento;
  • triste x contente;
  • próximo x distante.

    Os empregos das antíteses revelam as mudanças na relação amorosa que se processam de uma forma abrupta e inesperada. Há um outro recurso, num belíssimo arranjo de antíteses, que o poeta utiliza para acentuar o dinamismo que caracteriza o poema: o emprego da forma verbal "Fez-se" e de sua forma contrária "desfez".