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Biografia - Como contar a história da vida de alguém

Alfredina Nery, Especial para a Página 3 Pedagogia e Comunicação

É verdade que Einstein foi um péssimo aluno? Como é, na intimidade, o escritor José Saramago? E Bill Gates, o criador da Microsoft, faz o que em suas horas vagas?


O gênero de texto que conta a história da vida de alguém se chama biografia (bio é vida, e grafia é escrita). É uma mistura entre jornalismo, literatura e história, em que se relata e registra a história da vida de uma pessoa, enfatizando os principais fatos. É um gênero de narrativa não ficcional. Os fatos podem ser contados em ordem cronológica - isto é, do nascimento à morte, ou por temas (amores, derrotas, traumas etc). Não precisam ser, necessariamente, escritas. Podem ser filmes, peças de teatro etc.

Conhecer a biografia de uma personalidade permite entender um pouco melhor o tempo em que ela viveu, o que a fez ser famosa, como alcançou o sucesso, atos que podem servir de exemplo, coisas que ela fez e que você jamais faria. Também pode ser interessante conhecer sua autobiografia.

Características textuais e linguísticas

Leia o texto biográfico que segue, que conta um pedaço da vida de um dos maiores poetas brasileiros, Carlos Drummond de Andrade:

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro - MG, em 31 de outubro de 1902. Descendente de uma família de fazendeiros em decadência, o poeta estudou na cidade de Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo (RJ), de onde foi expulso por "insubordinação mental". De novo em Belo Horizonte, o itabirano começou a carreira de escritor como colaborador do “Diário de Minas”, que congregava os adeptos locais do incipiente movimento modernista mineiro.

Devido à insistência familiar para obter um diploma, ele se formou em farmácia na cidade de Ouro Preto, em 1925. Fundou com outros escritores “A Revista”, que, apesar da vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo em Minas Gerais.

O escritor ingressou no serviço público e, em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945. Depois, passou a trabalhar no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e se aposentou em 1962. Desde 1954, colaborou como cronista no “Correio da Manhã” e, a partir do início de 1969, no “Jornal do Brasil”.
(...)
Várias obras do poeta foram traduzidas para o espanhol, inglês, francês, italiano, alemão, sueco, tcheco e outras línguas. Drummond foi, seguramente, por muitas décadas, o poeta mais influente da literatura brasileira em seu tempo, tendo também publicado diversos livros em prosa.
(...)
Alvo de admiração unânime, tanto pela obra quanto pelo seu comportamento como escritor, Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro- RJ, no dia 17 de agosto de 1987, poucos dias após a morte de sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade, fato que o havia deixado extremamente abatido.

1) Veja que a biografia de Drummond é um relato elaborado numa sequência temporal que entremeia fatos de sua vida e de sua carreira profissional:

a) 1º e 2º parágrafos: origem, estudos e carreira - no serviço público e como escritor. Nesses dois parágrafos, os fatos da biografia são relatados de forma mais neutra.
b) 3º e 4º parágrafos: fatos da vida e obra do poeta, ressaltando sua fama literária. Esses trechos já emitem opinião a respeito do biografado, especialmente pelos usos de:

  • enumeração das línguas em que a obra de Drummond foi traduzida, indicando seu papel internacional;
  • advérbio "seguramente" através do qual é evidenciado um argumento sobre a importância do poeta;
  • adjetivo superlativo: "mais influente". O poeta não é só influente, mas "mais influente", o que intensifica o qualificador;
  • adjetivo "unânime" referindo-se ao substantivo "admiração", também com conotação elogiosa ao poeta.

    2) Releia a biografia e repare que há várias formas de se referir ao biografado, em substituição a seu nome: "Drummond", "o poeta", "o itabirano", "ele" e verbos com o sujeito oculto. Essas substituições representam um tipo de coesão textual. A fim de evitar a repetição de termo já referido, outras palavras retomam o já dito e vão ajudando a construir o texto, articulando-o.

    3) Veja que a expressão "insubordinação mental" como causa da expulsão de Drummond da escola jesuítica, está escrita entre aspas. Qual seria a intenção desse uso? Dado o reconhecimento literário que se deu na vida do poeta, podemos considerar que é uma maneira de marcar de modo irônico a maneira inovadora de pensar do poeta, não é mesmo?

    4) Analise agora os verbos usados no texto:

  • nasceu, estudou, foi expulso, começou, se formou, fundou, ingressou, transferiu-se, passou a trabalhar, se aposentou, colaborou, foi, morreu.
    Veja que predominam verbos de ação, numa determinada sequência, como é próprio de uma biografia, feita de forma tradicional.

    Características da biografia
    Podemos afirmar que na biografia:

  • os acontecimentos devem estar ordenados em sequência temporal, ou seja, do mais antigo para o mais recente;
  • deve haver um trabalho prévio de seleção das informações, que possam ser consideradas relevantes para o leitor.
  • deve-se evitar julgamentos de valor, expressões adjetivas que indiquem a opinião do autor a respeito das informações que apresenta.

    Biografia e crítica social Mas será que só há biografias de pessoas famosas? Bem, sabemos que a história muda dependendo de quem a conta. Quando a história é contada pelo vencedor, costumam-se enfatizaros positivos para ele. Numa outra perspectiva, entende-se história também como ação de todas as pessoas, na relação entre as diferentes classes sociais.

    Leia a seguir a biografia de uma mulher, Carolina Maria de Jesus, que morava numa favela e que escreveu um livro de muito sucesso na década de 1960: "Quarto de despejo".

    Cinderela negra - A saga de Carolina Maria de Jesus
    Carolina Maria de Jesus foi uma figura ímpar. Viveu sozinha, com três filhos – um de cada pai – em uma favela na cidade de São Paulo, desde 1947. Descendente de escravos africanos, nasceu em 1914, em Sacramento, um vilarejo rural no Estado de Minas Gerias e foi à escola apenas até o segundo ano primário. Trabalhou na roça com a mãe, desde muito cedo. Depois, ambas foram empregadas domésticas.

    Já em São Paulo, na favela do Canindé, como catadora de papel e mãe de três filhos, escrevia folhas e folhas de histórias reais e imaginadas. Um dia, um jovem jornalista teve acesso a estes escritos e conseguiu ajudá-la a publicar o seu “Quarto de despejo”, em 1960. O sucesso foi imediato. Vendeu o equivalente, naquele ano, a Jorge Amado. Seu livro foi publicado em 13 línguas, em mais de 40 países

    Porém, sua trajetória, até a morte na década de 70, foi incomum e perturbadora. Carolina não se “enquadrou” como escritora famosa.(...). Em pouco tempo, ela foi forçada a voltar à condição de pobre, com dificuldades de sobrevivência. Na miséria viu terminarem seus dias, em 1977.

    (adaptado do livro “Cinderela negra - A saga de Carolina Maria de Jesus”, de José Carlos Sebe Bom Meihy e Robert M. Levine, Editora da UERJ, Rio de Janeiro, 1994)

    Os autores da biografia de Carolina de Jesus já antecipam ao leitor, pelo título, do que vão tratar:

  • há uma comparação entre Carolina e a personagem "Cinderela" do famoso conto de fadas, a partir da ideia de transformação. Assim como Cinderela vivia nas cinzas e foi transformada, por uma fada, numa linda mulher por quem o príncipe se apaixonou, Carolina viveu seus dias de gata borralheira, mas também seu tempo de fama, como escritora;
  • o uso da expressão "Cinderela negra" traz uma realidade social brasileira, em geral, permeada de preconceito e racismo;
  • o termo "saga" no título já prenuncia a vida heroica de uma mulher do povo, feito Carolina, que venceu muitos obstáculos para sobreviver, quanto mais para viver e ser uma escritora.