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Crônica - Limites entre jornalismo e literatura

Jorge Viana de Moraes, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

A crônica é, primordialmente, um texto escrito para ser publicado no jornal. Este, como se sabe, é um veículo de informação diário e, portanto, veicula textos efêmeros. Um texto publicado no jornal de ontem dificilmente receberá atenção por parte dos leitores hoje.

O mesmo tende a acontecer com a crônica. O fato de ser publicada no jornal já lhe determina vida curta, pois à crônica de hoje seguem-se muitas outras nas próximas edições. Há semelhanças entre a crônica e o texto exclusivamente informativo. Assim como o repórter, o cronista se alimenta dos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica.

 

Características da crônica

Entretanto, há elementos que distinguem um texto do outro. Após cercar-se desses acontecimentos diários, o cronista lhes dá um toque próprio, incluindo em seu texto elementos como ficção, fantasia e criticismo, elementos que o texto essencialmente informativo não precisa conter. É o que Jorge de Sá (A crônica, Editora Ática) nos afirma, em outros termos. Vejamos:

[...] Na crônica, embora não haja a densidade do conto, existe a liberdade do cronista. Ele pode transmitir a aparência de superficialidade para desenvolver o seu tema, o que também acontece como se fosse 'por acaso'. No entanto o escritor sabe que esse 'acaso' não funciona na construção de um texto literário (e crônica também é literatura), pois o artista que deseje cumprir sua função primordial de antena do seu povo, captando tudo aquilo que nós outros não estamos aparelhados para depreender, terá que explorar as potencialidades da língua, buscando uma construção frasal que provoque significações várias (mas não gratuitas ou ocasionais), descortinando para o público uma paisagem até então obscurecida ou ignorada por completo.

Com base nisso, pode-se dizer que a crônica situa-se entre o jornalismo e a literatura, e o cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia a dia.

Ainda segundo Jorge de Sá, a crônica, na maioria dos casos, é um texto curto e narrado em primeira pessoa, ou seja, o próprio escritor está "dialogando" com o leitor. Isso faz com que a crônica apresente uma visão totalmente pessoal de um determinado assunto: a visão do cronista.

Ao desenvolver seu estilo e ao selecionar as palavras que utiliza em seu texto, o cronista está transmitindo ao leitor a sua visão de mundo. Ele está, na verdade, expondo a sua forma pessoal de compreender os acontecimentos que o cercam.

Geralmente, as crônicas apresentam linguagem simples, espontânea, situada entre a linguagem oral e a literária. Isso contribui também para que o leitor se identifique com o cronista, que acaba se tornando o porta-voz daquele que lê.

Em corroboração ao que se afirma acima, a crônica é o registro de um fato, por meio do qual se capta o imaginário coletivo em suas manifestações cotidianas. É ligada ao tempo (chronus), indo além dele.


Diferentes sentidos

A abordagem da crônica como um gênero específico de texto leva a destacar algumas acepções mais utilizadas por pesquisadores:

(1) narração histórica ou registro de fatos comuns em ordem cronológica;

(2) texto jornalístico de forma livre e pessoal e que tem, como tema, fatos ou ideias da atualidade; esses fatos podem ser de teor artístico, político, esportivo, etc.; ou simplesmente relativos à vida cotidiana;

(3) no sentido histórico do termo, A carta de Pero Vaz de Caminha é considerada crônica pelos historiadores. E como ela, aconteceram outros relatos de cronistas que davam notícias da nova terra aos europeus;

(4) é importante ressaltar que esse conceito antigo de crônica como registro de fatos históricos continuou com o advento da literatura jornalística.

Hoje, entretanto, a pressa de viver desenvolve no cronista uma sensibilidade especial, predispondo-o "a captar com maior intensidade os sinais da vida que diariamente deixamos escapar", como afirma Jorge de Sá.

A verdade, porém, segundo o cronista Rubem Braga (citado por Jorge de Sá), não é o tempo que passa, a verdade é o instante que oculta a complexidade de nossas dores e alegrias. Assim, assistimos à vida passar como se estivéssemos na janela de um trem de alta velocidade, empurrados pelo ritmo alucinante do cotidiano. Algumas vezes podemos ler na história narrada a nossa própria história.

Uma característica marcante na crônica é que ela apresenta uma estrutura livre. Por isso mesmo tende ao hibridismo de gênero. Segundo Bender e Laurito (em A crônica: história, teoria e prática, Editora Scipione), Cecília Meireles tem a tendência à poesia a ao misticismo; Drummond, às reflexões; Luis Fernando Veríssimo, Stanislaw Ponte Preta e Millôr Fernandes ao humor; Paulo Mendes Campos à prosa poética; Rachel de Queiroz, ao social e Clarice Lispector ao existencial, enquanto que Rubem Braga faz transcender o fato miúdo.

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