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Erros propositais - Licença poética e neologismos

Alfredina Nery, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

De tão bem que você conhece a língua, você pode "errar". Isso mesmo. Quando você sabe utilizar em as regras do português, quando utilizar cada palavra e quando não utilizá-la, você pode, inclusive, escrever de maneira aparantemente "errada" - mas que, na verdade, é acertada, já que você quer chamar atenção ou brincar com as palavras.

Para cumprir um determinado objetivo, o seu texto pode ser escrito de maneira "diferente" do que pede a língua padrão. É o que faz, por exemplo, a publicidade.

Veja o seguinte anúncio de um espetáculo de música clássica, com o seguinte "slogan":

O Brasil tem concerto.

O texto brinca com as palavras parônimas "conserto" e "concerto", pressupondo que o leitor entenda o jogo de palavras: o Brasil é um país que tem muitos problemas, mas é possível colocá-lo no rumo certo, ou seja, "consertá-lo" (arrumá-lo). Nesse caso, porém, consertar escreve-se com S! Depois, o contexto do anúncio indica tratar-se de uma apresentação de orquestras e músicos de repertório clássico, isto é, de um "concerto" (substantivo abstrato "concerto" = relativo a espetáculos musicais).

O anúncio, assim, chama a atenção do leitor e atinge sua finalidade que é de divulgar/vender o espetáculo.

Mais um exemplo, o de um programa de rádio que se chama "Com certerça".

A chamada do programa causa estranheza. Mas é a combinação de três expressões: concerto, certeza e terça-feira, o dia em que passa o programa.

A invenção das palavras

O que a equipe do programa de rádio fez foi um "neologismo", ou seja, a criação de uma palavra nova.

E se você quisesse criar uma palavra nova, como ela seria escrita? Provavelmente, a partir de nossos conhecimentos sobre a escrita. Suponha que queiramos criar duas palavras. Como elas deveriam ser escritas? "Panruta" ou "panrruta"? "Carimã", "carimam" ou "cariman"?

No primeiro caso, a grafia "panruta" confirmaria a regularidade, como em "honra" (depois de consoante, a letra "r" representa som forte "rr" e não é grafado com "rr"). No segundo caso, "carimã" confirmaria a regularidade com que a vogal nasal é representada na escrita, com o uso do til na posição final; as outras grafias fugiriam da regularidade da nasalidade do sistema de escrita do português.

Licença poética

Os grandes poetas também "podem errar", já que o fazem com consciência, com um propósito. É a chamada licença poética, ou licença literária. Leia um trecho de Manoel de Barros que traduz melhor que ninguém aquilo de que estamos tratando.

Aula

“Nosso Profe. de latim, Mestre Aristeu, era magro
e do Piauí. Falou que estava cansado de genitivos,
dativos, ablativos e doutras desinências. Gostaria
agora de escrever um livro. Usaria um idioma
de larvas incendiadas. Epa! O profe. falseou-ciciou

um colega. Idioma de larvas incendiadas! Mestre
Aristeu continuou: quisera uma linguagem que
obedecesse a desordem das falas infantis do que
as ordens gramaticais. Desfazer o normal há de
ser uma norma. (...)

Manoel de Barros, "Memórias Inventadas: A Segunda Infância"

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