Texto - Você sabe qual o conceito?
Você provavelmente está acostumado a ver a palavra texto. Mas sabe qual o seu conceito? Para entendê-lo, pense nas duas seguintes situações:
1) Você foi visitar um amigo que está hospitalizado e, pelos corredores, você vê placas com a palavra "Silêncio".
2) Você está andando por uma rua, a pé, e vê um pedaço de papel, jogado no chão, onde está escrito "Ouro".
Em qual das situações uma única palavra pode constituir um texto?
Na situação 1, a palavra "Silêncio" está dentro de um contexto significativo por meio do qual as pessoas interagem: você, como leitor das placas, e os administradores do hospital, que têm a intenção de comunicar a necessidade de haver silêncio naquele ambiente. Assim, a palavra "Silêncio" é um texto.
Na situação 2, a palavra "Ouro" não é um texto. É apenas um pedaço de papel encontrado na rua por alguém. A palavra "Ouro", na circunstância em que está, quer dizer o quê? Não há como saber.
Mas e se a palavra "Ouro" estiver escrita em um cartaz pendurado nas costas de um daqueles homens que ficam nas esquinas do centro das cidades grandes que anunciam a compra de ouro? Aí sim, nessa situação, a palavra "Ouro" constitui um texto, porque se encontra num contexto significativo em que alguém quer dizer algo para outra pessoa (no caso, vender/comprar ouro) e, então anuncia isso.
Texto é, então, uma sequência verbal (palavras), oral ou escrita, que forma um todo que tem sentido para um determinado grupo de pessoas em uma determinada situação.
O texto pode ter uma extensão variável: uma palavra, uma frase ou um conjunto maior de enunciados, mas ele obrigatoriamente necessita de um contexto significativo para existir.
Constituindo sentidos
Agora, leia o texto a seguir de modo a aprofundar ainda mais o conceito de "texto".
Circuito Fechado
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo; pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maços de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, blocos de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis.
Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.
Você considera que em "Circuito fechado" há apenas uma série de palavras soltas? Ou se trata de um texto? Por quê?
Na verdade, trata-se de um texto. Apesar de haver palavras, aparentemente, sem relação, numa primeira leitura, é possível dizer, depois de outra leitura mais atenta, que há uma articulação entre elas.
Vamos pensar mais sobre isso... Em "Circuito fechado" há, quase que exclusivamente, substantivos (nomes de entidades cognitivas e/ou culturais, como "homem", "livro", "inteligência" ou palavras que designam ou nomeiam os seres e as coisas).
Verifique que pela escolha dos substantivos e pela sequência em que são usados, o leitor pode ir descobrindo um significado implícito, um elemento que as une e relaciona, formando o texto.
Podemos dizer que este texto se refere a um dia na vida de um homem comum. Quais palavras e que sequência nos indicam isso?
Note que no início do texto, há substantivos relacionados a hábitos rotineiros, como levantar, ir ao banheiro, lavar o rosto, escovar dentes, fazer barba (para os homens), tomar banho, vestir-se e tomar café da manhã.
“Chinelos, vaso, descarga. Pia. Sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos.”
Já no final do texto, há o voltar para casa, comer, ler livro, ver televisão, fumar, tirar a roupa, tomar banho/escovar dentes, colocar pijama e dormir.
“Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforos. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.”
Descobrimos que a personagem é um homem também pela escolha dos substantivos. Parece que sua profissão pode estar relacionada à publicidade.
“Creme de barbear, pincel, espuma, gilete [...] cueca, camisa, abotoadura, calça, meia, sapatos, gravata, paletó [...] Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, blocos de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída [...] Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes [...] Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel.”
Também ficamos sabendo que na casa da personagem há quadros, pois o narrador usa a palavra duas vezes: no momento do café e na volta para casa. No escritório há "Relógio". Escolha intencional do autor, talvez para relacionar relógio e trabalho, trabalho e rotina.
Depreendemos que o homem é um grande fumante, basicamente, pelo número de vezes em que o narrador fala desse hábito, em vários momentos do dia da personagem: 14 vezes. Além disso, é interessante notar como há sempre a referência à dupla "cigarro e fósforo".
A palavra que explicita o início da ação do homem, ou da atuação da personagem, num dia de sua rotina é "chinelos", usada no início do texto para mostrar o momento do acordar/levantar e depois a hora de dormir.
Há também uma marcação de mudança de espaço, por meio dos termos "carro", usado como que mostrando o horário de sair de manhã e a volta para casa, à noite. No meio do texto há também o uso de um "táxi", provavelmente uma saída do trabalho: um almoço? Um jantar? Uma visita a um cliente?
Enfim, "Circuito fechado" é uma crônica - um texto narrativo curto, cujo tema é o cotidiano e que leva o leitor a refletir sobre a vida. Usando somente substantivos, o autor produziu um texto que termina onde começou. Essa estrutura circular tem relação com o título ("Circuito fechado") e com os dias atuais? Sem dúvida nenhuma, podemos compreender suas relações, não é mesmo? O cotidiano repete-se, fecha-se em si mesmo a cada dia. Rotinas...
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