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Vencedores da Olimpíada de Língua Portuguesa 2010 - Bar doce bar

Aluna: Luana Jaques Santos
Professora: Maria Magali Vale Rodrigues
Escola: E. E. Coronel Xavier Chaves; Cidade: Coronel Xavier Chaves – MG


O dia é incansável e não termina. O sol ainda resiste e tinge de vermelho os olhos de quem ficou no boteco o dia todo. O bar está cheio de homens, a maioria maduros ou apenas envelhecidos. Uma criança passa, compra duas balinhas e vai embora. Mulheres só passam o olho lá dentro e quase nunca entram. Para os bêbados de plantão tudo é normal e sempre igual.

Não sei se são notados. Penso que só por alguns. Há aqueles que os cumprimentam. As pessoas se acostumam a vê-los sempre ali, cartas marcadas, vidas marcadas. São os ex. Ex-maridos, ex-alunos, ex-trabalhadores. Agora são exilados e se tornaram excluídos.

No passeio está o Tesourão, o cachorro que fez da rua sua moradia. O bêbado, o cão, rumos perdidos e solidão.

Nossos bares... Neles os amigos se encontram, jogam conversa fora. É onde uma mãe passa e compra um lanche para o filho. Onde o retireiro toma um café fresco e saboreia um pastel quentinho.

Na praça histórica da pequena cidade os bancos estão ocupados. São funcionários públicos, lavadores, balconistas. São comerciantes, artesãos, pedreiros, motoristas. O dono da Sinuca, o bar mais antigo, enquanto vende, vai instruindo os fregueses a desenrolar papéis: INSS, inventários, exames médicos. Às vezes ganha um frango em troca. Outras, um muito obrigado. E sempre amizades. Se chega um forasteiro, dá dicas dos pontos turísticos. É um guia no balcão.

No bar do Dirceu, os aperitivos acompanham os desabafos dos bêbados. As rodas de viola dão o tom para o sol se esconder de mansinho e dar lugar à lua tímida. Especial, especiaria, som saboroso para o fim do dia.

No outro bar, o balconista é ouvido por toda a praça. Daniel, voz estrondosa. Deve ser por isso que eu também falo alto, herança dele, meu pai. Aquele jogo clássico reúne homens que cercam o balcão. Estão ansiosos demais para se sentarem. Tudo é discutido, desde o gramado sintético até o gol irregular. As cadeiras esperam pacientes para o carteado. Aconchegante, relaxante cantinho.

Cada boteco tem sua personalidade, seu carisma. Mas em dia de procissão todos eles cerram suas portas pedindo bênção ao santo. Com respeito, as pessoas enfeitam as janelas de suas casas e a banda de música embala a legião de fiéis. É bonito ver como o povo participa.

Nos bares o espaço é democrático. É onde as ideias de todo mundo são apresentadas e jogadas a todos os ouvidos. Em volta de uma mesa, todo assunto se resolve: os problemas do mundo e tudo o mais. É a filosofia do botequim. Estamos falando de uma tribuna popular. Quer debater? Pode ir lá. É política, futebol, bipolaridades. Ali é prestado serviço de comunicação: à boca pequena todos ficam por dentro das novidades. Quem chegou, quem partiu, morreu, brigou ou separou. Também eu deixo meu rastro marcado e vou a um
desses bares, apanho o meu Folha das Vertentes e, a passos largos, volto para casa para ler a coluna do cronista, este “poeta do cotidiano”.

O dia se vai assim e as portas só fecham depois de toda a cidade, tão calma, ter adormecido. E a rotina faz dali a segunda casa de muitos homens. Bar doce bar. Ele exerce papel fundamental na cidadezinha. Nele todos se tornam iguais e se unem para poder suportar a rotina do ilusório.

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