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Viagem - Análise do livro de Cecília Meireles

Vilani Maria de Pádua, Especial para Página 3 Pedagogia & Comunicação

"Viagem" (1937) é o primeiro livro que a própria Cecília Meireles levou a sério. Os anteriores: "Espectros" (1919), "Nunca Mais..." (1923), "Poemas dos Poemas" (1923) e "Baladas para El-Rei" (1925), a própria autora retirou da primeira reunião de sua "Obra Poética", publicada pela Aguilar, em 1958.

Não se sabe bem o porquê, mas os críticos deduzem que talvez tenha sido para se desvincular do grupo católico ao qual estava ligada e com quem colaborou por muitos anos e também para se afastar do Simbolismo, forte característica do início de sua produção e tão ao gosto do grupo da revista "Festa", editada por Tasso da Silveira e Andrade Murici e na qual Cecília Meireles publicou seus primeiros poemas.
 

Projeto de modernismo

É possível perceber que os poemas de "Viagem", que cobrem o período de 1929 a 1937, são um projeto empenhado da autora, que buscava fazer poesia de qualidade, vinculada à tradição literária e à poesia modernista. Com o livro, Meireles ganhou em 1938 o prêmio da Academia Brasileira de Letras, causando críticas mordazes, principalmente de Mário de Andrade (em artigo que se encontra na coletânea "O Empalhador de Passarinho"), por ela ter se curvado à "perniciosa e pouco fecunda" ABL.

Todavia, o crítico paulista acaba elogiando a "força criadora" da poetisa e diz que a Academia é quem foi premiada ao conceder o prêmio a Cecília Meireles. Andrade considera que "com Viagem ela se firma entre os maiores poetas nacionais".

 

Epigramas

"Viagem" é composta de 99 poemas, dentre os quais 13 são epigramas, que é um tipo de poema curto, nascido na Antiguidade Clássica, mordaz, picante ou satírico. Com eles, Meireles trata da felicidade, da poesia, do amor e até da morte, aproveitando menos a sátira e mais a mordacidade. Os epigramas, à medida que vão surgindo, costuram e dão unidade a obra.

No Epigrama nº 1, que abre o livro, trata da própria poesia, "uma sonora ou silenciosa canção/flor do espírito, desinteressada e efêmera". Arremata afirmando que a poesia embeleza o mundo, ainda que isso seja inútil. Fecha o livro com o Epigrama nº 13, mostrando quem passou pelos caminhos: "reis coroados de ouro,/e heróis coroados de louro,[...] os santos, cobertos de espinhos", e por fim, "Os poetas, cingidos de cardos". O amarelo-ouro e os espinhos da referida flor concentram as homenagens anteriores, deste modo, parecem exaltar a importância dos poetas.

 

Obra de Cecília Meirells

Os demais poemas apresentam variação tanto nos temas como nas formas. Aparecem versos livres, metrificados e também rimados. A poetisa procura, inclusive, se aproximar da cultura popular, como faziam os Modernistas de 22, visto que há poemas intitulados Rimance, Quadras, Feitiçaria, Cantiga, Canção, Cantiguinha etc.

Os temas são ecléticos e por vezes bem simples, elevados pela reflexão quase silenciosa da autora, como: Grilo, Praia, Horóscopo, Realejo entre outros. Também aparecem na obra, poemas sobre a incompreensão humana e sobre o tema clássico da tradição literária: a brevidade da vida.

Talvez isso tenha a ver com própria autora, visto que conviveu com perdas desde cedo. Seu pai morreu antes de seu nascimento e sua mãe quando ela tinha apenas três anos.

 

Mar, música e cores

É também muito clara, a intenção da poetisa em tratar de música, luzes e cores, por meio da natureza, aguçando a visão e a audição do leitor para aquilo que o eu-lírico vê e ouve. O mar é seu tema predileto, por onde se viaja quase que o tempo todo. E a música está em praticamente todos os poemas, tanto em cantos, como em sons da natureza, como na própria sonoridade da sua poesia.

Os dois livros seguintes da autora: "Vaga Música" e "Mar Absoluto" e outros poemas parecem não só ampliar, mas também detalhar o trabalho de "Viagem".

Uma estrofe de Motivo, segundo poema do livro "Viagem", resume um pouco o que há na obra: "Eu canto porque o instante existe/e a minha vida está completa./Não sou alegre nem sou triste:/sou poeta."