Química e reciclagem - Farinha de ossos bovinos e gordura animal
As pessoas que esperam o açougueiro desossar e retirar o sebo das peças de carne que compram geralmente não sabem que se inicia ali uma complexa cadeia de processos da indústria química e que aquelas partes bovinas rejeitadas pelos consumidores de bife voltarão para eles em outras e inesperadas formas.
A utilidade deste aproveitamento industrial dos subprodutos do comércio de carne se dá tanto por seus resultados finais, quanto por poupar o meio ambiente de receber milhões de toneladas de resíduos orgânicos que se transformariam invariavelmente em lixo urbano se não encontrasse este ou outro modo de aproveitamento.
Tudo começa com a separação, nos próprios açougues, dos ossos e do sebo bovino, com o objetivo de vendê-los a indústrias especializadas que os coletam para utilizá-los como matérias primas.
Farinha de ossos bovinos vira ração
Houve época em que os ossos bovinos eram utilizados na indústria de transformação para fabricar uma série de utensílios, como botões, pentes e peças de jogos de xadrez. Com a disseminação dos materiais plásticos, estas aplicações caíram em desuso, passando os ossos bovinos a ser mais valorizados por suas características químicas do que pelas físicas.
Ossos são compostos orgânicos ricos em cálcio e proteína. Como estas substâncias têm grande valor nutricional, são amplamente utilizadas na fabricação de rações para animais de corte ou domésticos.
Para isso, os ossos são cozidos a alta temperatura em digestores industriais, moídos e transformados em farinha. Essa farinha de ossos é combinada a outras matérias primas que complementam as necessidades nutritivas da ração, muito usada na criação de aves de corte, como frangos e perus, que, por conta da alimentação rica em proteína concentrada, crescem e chegam mais rápido ao ponto de abate.
As farinhas de ossos também podem ser usadas para várias outras aplicações nas quais o cálcio é útil, como por exemplo a correção de solos, embora esta utilização exija outras intervenções para dar ao cálcio reciclado a solubilidade necessária à sua absorção pelas terras tratadas.
Gordura animal
Já o sebo bovino coletado nos açougues cumpre uma seqüência de transformações químicas mais longa e complexa. O sebo bovino é uma gordura animal que, assim como os óleos vegetais, é constituído de moléculas de triglicerídios.
Um triglicerídio é formado por uma molécula de glicerol unida a três moléculas de ácido graxo.
Molécula de triglicerídeo, com o glicerol à esquerda unido a três moléculas de ácido graxo
As indústrias especializadas se interessam em extrair dos triglicerídios tanto o glicerol quanto os ácidos graxos, matérias primas utilizadas em uma grande gama de processos químicos.
Assim, a primeira etapa do processamento industrial do sebo bovino é separar o glicerol dos ácidos graxos, o que pode ser feito pelo processo de hidrólise, no qual água aquecida quebra as ligações do glicerol, que se desprende do ácido graxo e se dilui em solução aquosa.
Glicerina
O glicerol diluído em água é posteriormente separado dela em concentradores por evaporação e em seguida destilado, resultando na popular e conhecida glicerina, utilizada pela indústria farmacêutica, de cosméticos, alimentícia e química em geral. A glicerina está presente em sabonetes, cremes, xaropes, aditivos alimentícios, limpadores de pneus e até explosivos, como é o caso da conhecida nitroglicerina.
Uma vez destacada a glicerina, os ácidos graxos provenientes do sebo são processados visando a separação dos dois principais, o ácido oleico e o ácido esteárico.
Os ácidos graxos são definidos quimicamente pelo tamanho de sua cadeia carbônica e pelo número de insaturações nesta cadeia, ou seja, o número de duplas ligações presentes.
O ácido oleico possui uma cadeia insaturada de dezoito carbonos, apresentando-se à temperatura ambiente no estado líquido. A separação das chamadas oleínas do ácido graxo de sebo se dá por meio de prensagem, método mais antigo, ou por resfriamento e centrifugação, um modo mais moderno e produtivo.
Utiliza-se o ácido oleico na fabricação de sabão e sabonetes, lubrificantes, aditivos alimentícios e cosméticos.
Ácido esteárico
O ácido esteárico também possui dezoito carbonos em sua cadeia, mas, diferentemente da cadeia do oleico, ela é saturada, o que faz com que este material se apresente sólido à temperatura ambiente.
As estearinas, como também são chamadas, são muito utilizadas na indústria da borracha, sendo necessária para conferir à massa do polímero suas características de flexibilidade.
Também estão presente no creme de barbear, no creme hidratante e mais uma série de cosméticos e são um aditivo importante nos processos industriais de transformações de plásticos.
Se hoje em dia as palavras reaproveitamento e reciclagem são valorizadas como ambientalmente corretas, o aproveitamento em larga escala do sebo bovino e dos ossos pela indústria química mostra que não é de agora que as tecnologias industriais, tão acusadas de serem poluentes, podem minorar os impactos ambientais do progresso.
Afinal, quem torce o nariz para as pelancas que o açougueiro descarta do contra-filé talvez não imagine que aquelas gorduras, que não entrariam em sua casa pela porta da cozinha, encontrarão um lugar destaque na penteadeira de seu quarto, entre os cremes hidratantes finos, perfumados e caros que pouco lembram as matérias primas originais das quais vieram.
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