Estado, nação e nacionalismo - Como usar corretamente estes conceitos
Renato Cancian, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
É prática comum e habitual nos livros didáticos de história o emprego dos termos Estado e nação como se fossem sinônimos. Entretanto, os termos têm significados distintos.
Historicamente, o Estado (moderno) surgiu primeiro, por volta do século 16, a partir do continente europeu, difundindo-se depois para o resto do mundo e a nação apareceu no século 18.
Nesta mesma época, os termos se fundiram dando origem ao que hoje conhecemos por Estado-nação. Para compreendermos a formação do Estado-nação é necessário, porém, tratarmos separadamente da evolução de cada um de seus componentes constitutivos.
O Estado moderno
O Estado moderno surgiu como produto da transformação da ordem feudal. Na última fase do período medieval, o poder político e militar, em posse dos senhores feudais, foi transferido para as mãos de um monarca absolutista.
O Estado moderno passou a ser o portador da soberania, o que significa que o poder político centralizado nas instituições governamentais é responsável pela lei e pela ordem interna.
Uso legítimo da violência
Sociologicamente, o Estado moderno pode ser definido como sendo uma instituição que monopoliza o uso legítimo da violência a fim de cumprir dois objetivos.
O primeiro é que, por meio dos exércitos permanentes, procura manter a integridade das fronteiras territoriais contra ameaças externas. E o segundo é que, por meio da política e da justiça, procura preservar a ordem interna.
O surgimento da Nação
Quando os Estados modernos se formaram, a população que habitava os limites territoriais sob a jurisdição de um poder soberano era invariavelmente mista, isto é, se compunha de pessoas e grupos sociais bastante diferenciados em termos de origens, língua falada, hábitos culturais etc.
No século 18, porém, com o advento do surgimento dos direitos de cidadania (que alterou as relações entre os governantes e governados por meio da democratização do poder, transformando os súditos em cidadãos), surge então o termo nação.
Nação, então, passou a ser empregada como sinônimo de povo. Foi um poderoso apelo ideológico que serviu para incutir na população, em geral, a ideia e o senso de pertencimento a uma comunidade mais ampla moldada por uma origem histórica e cultural comuns.
A consciência nacional
A ideia de pertencer a um povo ou nação foi obtida a partir de uma profunda mudança mental por parte das populações que habitavam o território de um Estado soberano.
A construção de uma consciência nacional foi um processo gradual. Primeiramente, a propaganda nacionalista mobilizou as elites dominantes; em seguida, as classes médias urbanas instruídas e, finalmente, as camadas populares.
A formação dos Estados modernos foi obra de juristas e teóricos do Direito, enquanto que a nação e o nacionalismo foram obras de intelectuais e acadêmicos.
O trabalho de historiadores, escritores e jornalistas
Os historiadores, escritores e jornalistas, por exemplo, trabalharam com diversos fatores subjetivos buscando construir, por meio de suas obras escritas (mitos e tradições literárias), narrativas imaginárias sobre as origens do povo.
E foi por meio das instituições escolares que esse conhecimento, muitas vezes baseado em fatos inverídicos, foi transmitido às gerações futuras.
Os intelectuais e acadêmicos, por outro lado, tentaram encontrar um fundamento empírico para sustentar o nacionalismo trabalhando com fatores objetivos, tais como o critério de raça (superado hoje em dia), a língua falada, alguns padrões culturais etc.
Identidade coletiva
O nacionalismo serviu como princípio para formação de uma identidade coletiva que constituiu a base política-ideológica da integração e unificação dos agrupamentos humanos.
Os ideais de autodeterminação nacional provocaram as Revoluções americana e francesa (no século 18), a unificação de alguns povos europeus e a formação de novos Estados (no século 19) e as guerras de libertação de povos que viviam sob domínio dos colonizadores (no século 20).
Atualmente, apesar de muito se falar em globalização e integração mundial, o mundo permanece dividido em Estados-nação. E, ao que tudo indica, essa realidade não vai se alterar tão breve.
A experiência da Comunidade europeia, no sentido de superar gradualmente as fronteiras territoriais e unificar-se politicamente está longe, porém, de representar a dissolução dos respectivos Estados-nação soberanos que integram a comunidade.
Nacionalidade e direitos humanos
O nacionalismo produziu resultados politicamente ambíguos. O Estado-nação e o nacionalismo propiciaram a base para a estruturação da cidadania moderna (baseada no princípio de igualdade cívica), e foi a partir dela que os ideais de direitos humanos se originaram.
Porém, a mesma força que integra e une os cidadãos de um determinado Estado-nação também é responsável pela divisão e conflito entre as diversas nacionalidades. Os exemplos mais recentes surgiram no final do século 20.
Na década de 1990, a desintegração do Estado soviético e o fim do socialismo na Europa oriental propiciaram o aparecimento de movimentos nacionalistas etnocêntricos e xenófobos, que empregaram brutais formas de violência (políticas de purificação étnica, eliminação física das minorias raciais e culturais etc.).
Isto tudo como meio de assegurar a homogeneidade e integração social e a construção de novos Estados.