Integração e exclusão - Homens e grupos que ocupam a margem da sociedade
Celina Fernandes Gonçalves Bruniera, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Há mais modos de vida liminares e mais homens vivenciando processos de isolamento que aqueles em evidência devido a ações provocadoras. Isso não significa que os constrangimentos e a injustiça social que os sujeitos sofrem sejam menos dolorosos, mas talvez cotidianamente suportados.
Liminar, em antropologia, é a fase ou situação antecede a passagem de um indivíduo a uma nova categoria ou posição social. A liminaridade, situação de quem ocupa a margem da sociedade, pode ser vivenciada por muitos, por pessoas anônimas que travam lutas diárias para suas condutas se manterem coerentes com o que acreditam e para suas escolhas não as impossibilitarem de continuar a viver e a interagir com os outros.
A visibilidade de suas lutas, no entanto, é obscurecida pelos próprios processos sociais. Eles levam as pessoas à liminaridade, ou provocam sua reintegração parcial.
O critério de utilidade social
Em um artigo publicado no final da década de 1970, o medievalista francês Jean-Claude Schmitt reconstruiu a história de homens e grupos que foram empurrados para a margem da sociedade entre os século 11 e 18.
A integração ou a exclusão dessas pessoas ou desses grupos depende do estabelecimento do critério de "utilidade social" e da mediação de um discurso oficial e erudito, sugere Schmitt.
É através da ação desse discurso e, também, de práticas sociais, que na margem vazia da sociedade inscreve-se a figura do sujeito liminar. Figura "fugidia, prestes a dissolver-se". No curso da história, outros ocuparão esse lugar. Ou, quem sabe até os mesmos, em relação a aspectos diferentes de acordo com as mudanças no critério de "utilidade social".
O olhar atento para quem está na situação liminar, pode revelar "as transformações mais fundamentais das estruturas econômicas, sociais e ideológicas" num determinado momento da história.
Mudanças nas relações sociais
A história da humanidade é marcada por modos de vida liminares que entram em crise para que outros surjam. Mudanças nas relações sociais conduzem novas pessoas ou grupos humanos para situações de liminaridade. Podem até permitir a integração de todos aqueles que ocupavam a margem se assim for do interesse da nova configuração social.
Essas situações caracterizam-se, teoricamente, pela transitoriedade e, como diz Schmitt, podem referir-se a dois planos de realidades sociais: o dos valores socioculturais e o das relações econômicas. "Um indivíduo ou um grupo pode participar das relações de produção, recusando as normas éticas de sua sociedade, ou sendo excluído da hierarquia de valores dessa sociedade".
Como identificar os sujeitos liminares
A identificação dos sujeitos liminares depende da observação e da compreensão de como eles se sentem interagindo com os demais e vivendo em sociedade. Para tanto, é preciso conhecer as interpretações que as pessoas fazem de suas vidas e a explicação que dão para o seu comportamento.
Isso significa compreender como se percebem, com que se confrontam, as alternativas viram abrir para si e quais escolhas fizeram ao longo da vida. As reformulações das condutas e a forma como as pessoas reagem às expectativas dos outros são índices dos efeitos dos processos sociais sobre os homens e das condições que cada um apresenta para lidar com eles.