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Brasil começa a discutir um "SUS" para a educação nesta segunda-feira

Simone Harnik

Em São Paulo

29/03/2010 07h32

Começam, nesta segunda-feira (29), os debates para a criação de um "SUS" da educação. Eles fazem parte da Conae (Conferência Nacional de Educação), que ocorre em Brasília, até o dia 1º. Devem participar 2.500 delegados eleitos em municípios e Estados e mais 500 observadores. A Conae vai elaborar o PNE (Plano Nacional de Educação) para a próxima década que será apresentado pelo MEC (MInistério da Educação) ao Congresso Nacional. 

A ideia, defendem alguns especialistas, é criar um sistema que integre os governos municipal, estadual e federal -- assim como o SUS (Sistema Único de Saúde). Wagner Santana, oficial de projetos da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil é um dos engrossam o coro por uma rede que integre os três níveis de governo.

Coautor do livro “Educação e Federalismo no Brasil: Combater as Desigualdades, Garantir a Diversidade”, Santana concedeu uma entrevista por e-mail sobre o sistema nacional de educação. Ele é enfático sobre o que o país precisa no campo das políticas para o ensino: "É fundamental o estabelecimento de metas realistas e ao mesmo tempo desafiadoras, que sejam monitoradas e avaliadas constantemente e com amplo controle social". Confira parte da entrevista:

UOL Educação - Um Sistema Nacional de Educação deveria ser parecido com o SUS? Em que medida?

Santana - A proposta de Sistema Nacional de Educação atualmente em discussão trata especificamente da construção de diretrizes educacionais comuns a serem implementadas em todo território nacional, respeitando-se as diversidades regionais e tendo como perspectiva a superação das desigualdades regionais. A proposta em discussão atribui também ao Sistema Nacional de Educação um papel de articulador, normatizador e coordenador e, sempre que necessário, financiador dos sistemas de ensino.

Ou seja, não se trata de implementar um “SUS da Educação”, mas de construir estratégias para que a educação brasileira tenha referenciais nacionais de qualidade e que a oferta educativa pelos sistemas de ensino estadual e municipal de todo o país tenha maior identidade. O desenho institucional desse sistema é uma das tarefas a ser enfrentada no processo de elaboração do novo Plano Nacional de Educação.

UOL Educação - O SUS é um modelo elogiado por especialistas, mas, no dia a dia, a população enfrenta problemas que vão da falta de capacidade de atendimento até o mau atendimento. Como um sistema nacional poderia superar estes tipos de dificuldades vistos na saúde?

Santana - A oferta de serviços de saúde e de educação, que são direitos previstos no nosso marco legal, são de natureza muito distinta. Não há nenhum hospital, por exemplo, que tenha que atender o mesmo número de pessoas todos os dias ao longo de quatro, seis ou oito horas. Ao mesmo tempo, o usuário de saúde pode buscar qualquer unidade de atendimento do SUS, enquanto na educação o atendimento quase sempre é feito por uma única unidade.

No caso da educação, a constituição e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação são claros quanto às responsabilidades da União, Estados, Distrito Federal e municípios. Cabe, portanto, estabelecer critérios de gestão da oferta pelos entes federados de forma articulada, colaborativa e normatizada por princípios comuns e tendo como perspectiva a garantia de um direito humano fundamental.

UOL Educação - As desigualdades internas no país são gigantescas. Como um sistema geral poderia dar conta delas? Elas podem ser superadas com financiamento proporcional às necessidades?

Santana - Certamente uma das questões a serem resolvidas é um melhor equilíbrio entre as responsabilidades dos entes federativos quanto à oferta educativa e os recursos disponíveis por cada um deles. Uma reforma fiscal seria a melhor estratégia nesse sentido, mas de difícil viabilidade política no curto prazo.

Assim, estratégias como o Fundef [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério] e posteriormente o Fundeb [O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] têm cumprido um papel redutor das desigualdades, garantindo patamares mínimos de oferta. Entretanto, ainda persistem desigualdades na disponibilidade de recursos que precisam ser enfrentadas por essas políticas. Outro ponto importante é a necessidade de aumentar o montante global dos recursos a serem investidos em educação.

A proposta de um sistema nacional de educação ou outro modelo de gestão da oferta educativa deve buscar ainda reduzir desigualdades quanto a padrões de atendimento (infra-estrutura de escolas, remuneração e condições de trabalho docente, etc.) e buscar alguma unidade no que diz respeito aos conteúdos ensinados nas escolas, respeitando-se, evidentemente, as diversidades regionais e locais.

UOL Educação - Como fazer com que uma política pública dure além do tempo dos mandatos do executivo no Brasil? Estamos muito longe disso?

Santana - É fundamental que o novo Plano Nacional de Educação seja construído a partir de acordos entre os entes federativos em relação aos principais desafios da educação nacional e as estratégias para enfrentá-los. Além disso, é fundamental o estabelecimento de metas realistas e ao mesmo tempo desafiadoras, que sejam monitoradas e avaliadas constantemente e com amplo controle social. Nesse sentido, é fundamental que o novo Plano defina também instâncias de gestão envolvendo os três entes federados e com participação social. Finalmente, é importante a vigilância junto aos poderes públicos nos três níveis para que o Plano Nacional de Educação, além dos planos estaduais e municipais, sejam a principal referência para a construção de políticas de governo. Essa tarefa está longe de ser simples, mas é condição fundamental para termos políticas duradouras de Estado.

UOL Educação – Quais são os critérios que devemos medir em uma educação de qualidade, além do desempenho e do fluxo de estudantes?

Santana - Quando falamos em qualidade nos referimos a formação inicial e continuada de docentes, a condições de trabalho adequadas e a políticas de valorização dos profissionais de educação, a conteúdos pertinentes e relevantes, a escolas inclusivas e que respeitem a diversidade dos alunos (de gênero, religião, orientações sexuais etc.) entre outros aspectos.

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