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Conheça a rotina dos estudantes na invasão da reitoria da Federal de Rondônia

Rafael Targino

Em Porto Velho

25/11/2011 07h54Atualizada em 25/11/2011 10h02

Semanas atrás, os estudantes responsáveis pela “guarda” da reitoria ocupada da Unir (Universidade Federal de Rondônia) levaram um susto: um dia, de repente, às 5h30, carros oficiais e seguranças vestidos de preto começaram a cercar as ruas vizinhas ao edifício da administração, no centro de Porto Velho. Seria a reintegração de posse do prédio sendo executada?

Seguindo o protocolo, todos dentro do edifício –geralmente, ficam turnos de 15 alunos– foram acordados com rojões e gritaria. Em alerta máximo, eles descobriram, minutos depois, que o motivo de tamanha mobilização tinha um objetivo um pouco mais prosaico: o governador Confúcio Moura havia decidido, naquele dia, ir malhar na academia particular que fica em frente à reitoria. Por causa disso, foi preciso fechar as ruas em volta. Moura fez seus exercícios, saiu da academia e os seguranças se foram. Alarme falso.

 

Sempre em alerta há mais de 50 dias, cerca de 300 estudantes (número fornecido por eles próprios) se revezam em várias funções: cozinha, segurança, limpeza. São jovens (não passam dos 30 anos de idade) de cursos tão diferentes quanto medicina e filosofia, de lugares tão distantes como São Paulo e de classes sociais distintas: enquanto uns chegam com o uniforme do trabalho, outros desfilam com bolsas de grife. Uma gata (apelidada de “Greve”) e um cachorro também participam do movimento.

Mas, qual o objetivo deles? A resposta é unânime: a saída de Januário Amaral da reitoria da Unir, que renunciou após uma visita ao ministro Fernando Haddad na quarta-feira (24). Em seguida, a melhoria na infraestrutura da universidade, que tem até um almoxarifado de química que pode explodir a qualquer momento.

Agora, com a saída de Amaral, eles dizem que ficam no prédio até terem certeza de que quem assume o cargo é a vice-reitora, Maria Cristina Victorino de França. Isso ainda precisa ser decidido pelo Consu (Conselho Universitário).

Sem luz, mas com diesel 

Como eles já esperavam, ficar no prédio não seria fácil. Logo no primeiro dia, a luz foi cortada. Por meio de doações, conseguiram alguns litros de diesel, o que garantiria a iluminação ao menos para a noite. No entanto, dias depois, jogaram areia no equipamento (os alunos acusam membros da reitoria de terem feito isso), que foi consertado pelos estudantes com uma gambiarra. Desde então, eles “vivem” em racionamento: luz, só quando o sol se põe. E se tiver diesel.

O problema é que, sem luz, o ar-condicionado não funciona. E isso é algo importante num lugar em que a temperatura durante a tarde bate fácil nos 35ºC, com sensações térmicas que chegam a 44ºC. Resultado: o calor dentro do edifício beira o insuportável. Os próprios manifestantes se concentram nos locais onde há mais ventilação –ou seja, nas áreas abertas, próximas a janelas e do lado de fora.

Para tentar manter a “harmonia” entre todos em um local escuro e quente, há regras básicas, espalhadas em cartazes pelo prédio: drogas, cigarro e álcool não podem entrar.

Galinha picante

É em uma área aberta, do lado do auditório da reitoria, que o almoço é servido. A comida é preparada na copa do prédio, que tem uma janela que dá justamente para esse espaço.

Alguns manifestantes até se arriscam no preparo, mas, sempre que possível, Bárbara Ribeiro, 40, mãe de três estudantes da Unir, vem ao prédio para dar aquela forcinha. Ela, que diz fazer isso por apoiar o movimento, afirma que já fez quase tudo (“bolo de mandioca, bobó de camarão”). “Eles gostam de batata frita”, conta.

No dia em que esteve no prédio invadido (a última terça-feira, 22), a reportagem do UOL Educação almoçou a iguaria feita por Bárbara, com o auxílio de dois alunos: arroz, macarrão, salada e uma tal de “galinha picante”, que leva pimenta, milho e outros vegetais (o galináceo, inclusive, precisou de uma “cola” para ser preparado - um notebook com uma cópia da receita estava em cima da geladeira da copa). Para beber, coca-cola e um refrigerante de guaraná local. 

Segundo os estudantes, toda a comida (e o diesel) vem de doações da população. Mesmo assim, dinheiro ainda é necessário: há venda de água e refrigerantes fora dali e o pedido puro e simples em semáforos e locais movimentados. E os pneus que fecham as entradas da reitoria e estão espalhados por todo o prédio, de onde vieram? Duas manifestantes foram questionadas em dias diferentes pela reportagem sobre a origem deles. A resposta foi a mesma, desconversando: “Ah, isso o pessoal sabe onde conseguir”.

Política

Uma das acusações do ex-reitor Januário Amaral era que o movimento era politizado e dominado por entidades de extrema-esquerda. “A gente decidiu em assembleia que não haveria vinculação a partidos”, disse ao UOL Lua Martins, estudante de medicina. Ela não nega, no entanto, que haja filiados entre os manifestantes.

No gabinete do reitor (que serve como “dormitório misto”), no entanto, a reportagem encontrou exemplares do jornal “Estudantes do Povo”, do MEPR (Movimento Estudantil Popular Revolucionário). Questionados, os estudantes afirmaram que concentram ali todo o material impresso que recebem.

O MEPR também se fez presente no dia em que o reitor anunciou a saída do cargo. Do alto de um carro de som, uma representante do movimento “saudou” a vitória da “luta” dos estudantes. Em cima do veículo, outros estudantes e professores (em greve há mais de 70 dias) afirmavam que a derrubada de Amaral era “só o começo”.

Durante as comemorações, e aproveitando o súbito aparecimento de tanta gente disposta a celebrar a queda do reitor, Bárbara, a “cozinheira”, passava sorridente com um potinho para arrecadar dinheiro para o almoço. “Hoje vai ter feijão tropeiro!”, disse ao repórter. 

Ela conseguiu, em pouco tempo, juntar R$ 350.