Menos questões e mais raciocínio: Enem de 18 anos atrás era mais "fácil"
Chovia bastante na cidade de São Paulo naquela tarde do dia 30 de agosto de 1998. Tanto que foi um desafio para a então estudante Virginia Schimidt, na época com 16 anos, chegar ao Colégio Logos, localizado na zona oeste da capital paulista, para participar da primeira edição do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
“Peguei muito trânsito e estava preocupada em não chegar atrasada. O Enem foi antes da Fuvest e eu nunca tinha feito uma prova assim, por isso estava bem ansiosa”, conta a professora de inglês, hoje com 34 anos.
Virginia estava entre os 157.148 inscritos para participar do exame, a primeira iniciativa de fazer uma avaliação geral da qualidade do ensino médio no Brasil. A prova feita por ela em 1998 foi muito diferente da resolvida por alunos de ensino médio no Enem de 2015, a última edição do exame.
Até antes 2009, o estudante tinha que responder 63 questões de múltipla escolha e fazer uma redação dissertativa. Além disso, a prova era realizada apenas no domingo. Em 2009, durante a gestão do então ministro da Educação Fernando Haddad, o Enem ganhou um novo modelo, passou a ser feita em dois dias e ter 180 questões, além da dissertação.
Mas as mudanças não aconteceram apenas na estrutura do exame.
Mais conteúdo a cada edição
“As questões eram muito simples, tinham menos conteúdo e exigiam mais interpretação de texto. Apesar de ter sido aplicada apenas numa tarde, eu me lembro de ter saído de lá muito cansado. Se ela já era cansativa naquela época, hoje essa característica está bem mais intensa”, conta Fabrício Cortezi, que prestou Enem em 1999 e hoje é gerente pedagógico do Sistema pH, no Rio de Janeiro.
Vera Lúcia da Costa Antunes, coordenadora pedagógica do Objetivo, conta que as edições de 1998, 1999 e 2000 foram bastante parecidas no que diz respeito ao conteúdo. “Todas as disciplinas eram apresentadas misturadas. Não era como é hoje, que a prova é dividida por blocos de acordo com as áreas de conhecimento. Era uma matemática muito básica, sem grandes cálculos, que dependia mais do raciocínio lógico para ser respondida. O mesmo valia para física. Das questões de biologia, quase todas abordavam ecologia”, conta.
Segundo ela, elas tinham uma lógica diferente das questões dos vestibulares tradicionais. “Não havia questões para escolher o que era certo ou errado, verdadeiro ou falso. A questão mostrava o que era importante do assunto e o aluno tinha que ler o enunciado com muita atenção, muito cuidado”, diz.
A partir de 2001, as provas começaram a ter, paulatinamente, um conteúdo mais complexo. “O nível de dificuldade foi aumentando, não aconteceu da noite para o dia com as mudanças feitas do exame em 2008”, acrescenta.
Virou “vestibular”?
Até 2009, algumas instituições de ensino superior aceitavam somar um percentual da nota com o resultado obtido pelo estudante no vestibular --a PUC-RJ foi uma das primeiras--, mas o Enem não era a porta de entrada para as instituições federais de ensino superior.
Nas suas primeiras edições, não estava claro para os alunos para que o Enem servia. “O governo precisava daqueles dados para medir a qualidade no ensino médio, porque não havia uma forma de avaliar isso antes do Enem. Mas o estudante não sabia muito o porquê de estar fazendo aquela prova”, explica Paulo Moraes, professor do Curso Anglo.
Virginia Schimidt conta que a escola em que estudava incentivou os alunos a prestarem o Enem em 1998. “A minha intenção era de diagnóstico, saber se estava preparada para o vestibular e em que áreas eu precisaria melhorar. No outro ano, eu fiz de novo, mas eu nem sabia que algumas universidades já estavam aceitando dar uma pontuação extra na nota do vestibular por causa do Enem”, conta.
Virginia disse que quando fez o Enem pela primeira vez ficou ansiosa para receber em casa a carta do Inep com os resultados --uma forma de comunicação que definitivamente ficou no passado.
O aluno consegue saber a nota pela internet e, desde 2009, com a criação do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), dá para saber quais cursos aceitariam a nota obtida por ele no exame e fazer a inscrição, tudo isso pelo site do sistema. “Se virou um vestibular? De certa forma virou. Se transformou ao longo dos anos e deixou de ter como principal finalidade a avaliação da qualidade do ensino médio”, afirma Paulo Moraes.
Mudanças à vista
A medida provisória (MP) apresentada pelo governo para a reformulação do ensino médio deve afetar o Enem, mas especialistas dizem que ainda é cedo para saber quais serão essas mudanças.
Em linhas gerais, a MP modifica pontos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de 1996, enfocando a especialização e a educação em tempo integral no ensino médio. A proposta cita português, matemática e inglês como disciplinas obrigatórias nos três anos do ensino médio. Hoje, os alunos fazem 13 disciplinas. Haverá a opção de aprofundamento em cinco áreas: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e formação profissionalizante. A oferta dessas habilitações, porém, dependerá das redes e escolas.
“Com a reforma do ensino médio, não dá para falar como será o Enem no futuro, porque simplesmente não há definições sobre o futuro do ensino médio. O conteúdo da prova vai de acordo com o que é proposto na base, no conteúdo nacional a ser dado nas escolas, então, naturalmente se há mudanças nessa base, deverá haver mudanças no Enem”, conclui Fabrício Cortezi.
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