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Crise do Rio deixou Uerj sem R$ 80 milhões em pesquisas, diz reitor

Fabio Costa/Fotoarena / Agência O Globo
Imagem: Fabio Costa/Fotoarena / Agência O Globo

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

04/08/2017 04h00Atualizada em 04/08/2017 11h58

Pesquisadores da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) deixaram de receber mais de R$ 80 milhões nos últimos dois anos, segundo afirma o reitor da universidade, Ruy Garcia Marques. O montante, que deveria ter sido repassado pela Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), se refere a projetos aprovados desde 2015.

Em entrevista ao UOL, o reitor falou sobre o impacto na universidade da crise que assola o Estado fluminense. Passada a fase de penúria nas finanças do Estado, Marques estima que a Uerj ainda leve de cinco a dez anos para se recuperar.

Criada com o objetivo de fomentar a pesquisa e a formação científica e tecnológica necessárias ao desenvolvimento sócio-cultural do Rio, a Faperj recebeu neste ano apenas 26% do orçamento previsto para todo o ano de 2017. A previsão era de que o órgão recebesse cerca de R$ 537 milhões, mas até agora apenas R$ 139 milhões foram pagos.

Com previsão de repasses estabelecida pela Secretaria de Estado de Fazenda, a Faperj, que também estimula projetos em outras universidades, deixou de receber cerca de R$ 91 milhões em 2016 e 2017.

Procurada, a secretaria de Fazenda informou que o salário de abril dos professores da Uerj foi quitado no dia 14 de julho, tendo sido pagos depois disso apenas R$ 550 referentes ao vencimento de maio. Estão pendentes ainda parte do salário de maio e o de junho, sem previsão de pagamento.

“Dependemos do ingresso de recursos em caixa para efetuar novos pagamentos ao funcionalismo público. Ressaltamos que o acordo de recuperação fiscal será imprescindível para a regularização dos salários dos servidores”, diz a secretaria.

Bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), principal agência de fomento à pesquisa do País, também estão ameaçadas em razão de contingenciamento de recursos do governo federal. Cerca de 90 mil bolsistas e 20 mil pesquisadores poderão ser prejudicados se os pagamentos forem interrompidos.

Enquanto o governo federal e o Rio de Janeiro não selam o acordo de recuperação fiscal, a Uerj decidiu na última segunda-feira (31) que não voltará às aulas. Com isso, não há previsão para o início do primeiro semestre letivo de 2017 --a próxima assembleia de professores está marcada para o dia 17.

O calendário previa o início do primeiro semestre de 2017 em agosto com término em novembro, quando começaria o segundo semestre deste ano com previsão de término para abril de 2018.

"As pessoas não têm dinheiro para se manter o dia todo aqui na universidade. Tenho pessoas com enfermidades físicas e psíquicas, não estão aguentando todo esse sofrimento", relatou o reitor ao comentar os salários atrasados dos funcionários.

Reitor da Uerj  - Marcela Lemos/UOL - Marcela Lemos/UOL
"As pessoas não têm dinheiro para se manter o dia todo aqui na universidade", diz Ruy
Imagem: Marcela Lemos/UOL

Leia a entrevista com o reitor da Uerj:

UOL - Os recursos que deixaram de ser repassados pela Faperj à Uerj seriam aplicados em quantas e quais tipos de pesquisas?

Ruy Garcia Marques - São projetos aprovados desde o final de 2014 e início de 2015 que até agora não foram pagos. Parte dos recursos iria para estudos mais rápidos --duração de um ano. Outra parte para pesquisas mais demoradas que levariam de dois a três anos. São projetos que sequer foram iniciados, não saíram do papel, não tiveram recurso para financiamento.

UOL - A crise financeira está relacionada à queda de posições no ranking das melhores universidades da América Latina? A Uerj caiu quatro posições na listagem. Saiu da posição de número 20 para 24.

Ruy Garcia Marques - O que determina o ranking é a internacionalização da faculdade, artigos publicados em revistas de impacto, é a reputação da universidade. A longa crise de financiamento leva inexoravelmente à diminuição da classificação. Essa será a tendência. Se chegam menos recursos para pesquisa, a possibilidade de produzir artigos que sejam bem aceitos pela comunidade internacional cada vez diminui. A Uerj ainda está em um patamar satisfatório. Sem dúvida. É a 14ª melhor faculdade do Brasil e a 24ª da América Latina. É uma posição honrosa, mas vem caindo devido à crise financeira.

UOL - Quanto tempo a Uerj pode levar para recuperar o tempo perdido?

Ruy Garcia Marques - Entre cinco a dez anos. É claro que após a normalização de tudo vai haver resposta imediata, ânsia de produção, mas não se consegue resultados de um dia para o outro. Leva dois, três anos de estudos, depois escreve artigo, submete a revista, publica. Não é algo rápido. De cinco a dez anos para voltarmos ao vigor de sempre.

UOL - O plano de recuperação do Estado é a melhor saída para a Uerj?

Ruy Garcia Marques - Preciso acreditar neste plano. Não tenho mais nada para acreditar neste momento. É o que me resta. Estamos torcendo por um plano que vai aumentar a contribuição previdenciária do servidor de 11% para 14%. Chega a ser um absurdo, mas é a única saída imediata. É o que nos resta. A torcida é para que tudo seja regulamentado logo e que possa trazer empréstimos que o Estado quer. (...) Tenho docentes, alunos, técnicos administrativos que estão com dificuldade de chegar à universidade, de se alimentarem. Tem gente aqui vendendo carro, perdendo contratos de aluguel e, quando vão procurar outro, a imobiliária não aceita contracheque de servidor Estado, pois sabem que os salários estão atrasados e que podem não receber. Teremos eleições ano que vem.

UOL - Qual a situação dos alunos cotistas?

Ruy Garcia Marques - Além de professores com salários atrasados e sem décimo terceiro, temos alunos sem receber as bolsas de estudo de maio, junho e quase julho. A Uerj tem ao todo 9.500 cotistas --8.500 recebem bolsas mensais, pequena ajuda de R$ 450 que é absolutamente necessária para locomoção deles, pra que aluguem um quarto aqui perto da universidade.

UOL - E a situação do restaurante universitário?

Ruy Garcia Marques - Está fechado desde janeiro. Estamos há dois meses tentando iniciar uma licitação. Mais de 50 empresas já foram contatadas para fazermos uma tomada de preço. Nenhuma quis sequer dar preço para licitação. Foram mais de 50. Ninguém quer participar. Essas empresas sabem que vão demorar para receber.

UOL - Vão abrir licitação de emergência?

Ruy Garcia Marques - De qualquer forma os preços vão lá para cima. Qual empresa tem recursos para manter serviço e funcionários sem receber os pagamentos do governo? Nos últimos anos, três empresas passaram por aqui. A primeira entrou e quis sair logo. A segunda ficou um ano e meio, a outra, seis meses. É um custo de mais de R$ 1 milhão. São 3.000 refeições de almoço e outras 2.000 de jantar --5.000 no total.

UOL - Como fica o calendário da Uerj?

Ruy Garcia Marques - Terminamos o segundo semestre de 2016 agora em julho. Pedimos ao Conselho Estadual de Educação que neste momento de calamidade pública as aulas sejam 75% presenciais e 25% à distância. Semestre passado já foi assim.