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Professor se transforma em personagem e cria quadrinhos para ensinar física

Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Daniel Leite

Colaboração para o UOL, em Juiz de Fora (MG)

08/06/2019 04h00Atualizada em 08/06/2019 19h57

Quando era pequeno, o paraibano Farinaldo Queiroz, 35, ouvia a mãe perguntar o motivo de querer tanto aprender física - tema que, dizia ela, "não serve pra nada", como lembra o hoje professor universitário. Anos depois, a mãe virou personagem de uma de suas histórias em quadrinhos.

Com pós-doutorado em física de partículas, Farinaldo sempre estudou em escola pública, até chegar ao cargo de líder de pesquisas do Instituto Internacional de Física da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), onde há professores italianos e russos e as aulas são em inglês.

Para disseminar a física de modo mais acessível e atraente, principalmente para estudantes de colégios municipais e estaduais, ele lançou uma página no Facebook e passou a divulgar pesquisas. Mas a linguagem barrava a disseminação das ideias.

Ele resolveu, então, usar uma linguagem de fácil assimilação e em formato de quadrinhos. Aproveitando a sua dedicação ao estudo de partículas, Farinaldo criou neste ano o "Particuleiro Nordestino", um professor que conversa com outros colegas e estudantes para perguntar, explicar e divulgar pesquisas e noções de física.

Em muitos episódios, o personagem do pesquisador se faz de desinformado, pergunta muito e tira dos outros personagens com quem conversa as informações mais importantes. Além do formato diferente, o conteúdo é feito com humor e linguagem coloquial, como "cê", "porreta", "arretado", "bucado", "irado", "tacamulinga".

Professor se transforma em personagem e cria quadrinhos para ensinar física - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook
As tiras são feitas pelo próprio pesquisador em um programa de computador, com publicações às quintas ou sextas-feiras. Farinaldo dedica em torno de cinco horas por semana para montar os quadrinhos.

O pesquisador trabalha para ampliar o projeto e imprimir os gibis. "O objetivo dessas tiras é que a física deixe de ser um bicho papão para se tornar mais acessível para estudantes de ensino médio", conta.

Aos poucos, o número de personagens cresceu. Um deles é o Professor Nômade, que retrata a história de um acadêmico que nasceu no Paraná, mas já morou em diversas cidades do país.

Nos quadrinhos, Douglas Fregolente é "provocado" pelo colega Farinaldo, que quer saber se ele já foi piloto da aeronáutica, já que viaja tanto. Em meio à brincadeira, falam dos experimentos e o nômade conta um pouco da sua história, dos trabalhos de divulgação científica e das aulas que deu.

A linguagem fácil e engraçada faz com que os "neutrinos", tema da conversa dos dois, não soem tão fora da realidade. Assim, o professor conta tudo sobre as partículas desprovidas de energia elétrica, existentes em grande quantidade na natureza, importantes por carregarem informações preciosas sobre as origens e o futuro do universo. "Cê está abilolado com tudo isso, né?", pergunta o professor nômade. "Sim", diz o Particuleiro. "Pois é, meu amigo, no sertão também fazemos ciência de qualidade."

Fora dos quadrinhos, o acadêmico nômade ressalta a iniciativa do colega de traduzir a física para todos. "A parte mais difícil é traduzir esses jargões para sociedade. É fantástico fazer isso com sotaque."

No episódio "Mulher porreta na ciência", a pesquisadora que faz par com Farinaldo nos quadrinhos é Patrícia Rebello Teles, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Neles, Patrícia explica ao pesquisador a importância dos experimentos de física de partículas, como é a rotina dos estudiosos, além de mostrar laboratórios de testes e análises de dados.

Patrícia destaca os bons trabalhos sobre partículas no Nordeste do país e diz que as pessoas precisam saber mais sobre o quanto o Brasil tem participação relevante em experimentos internacionais. "A gente precisa de divulgação, e essa forma de atingir o público mais leigo, principalmente os jovens, eu acho que é muito válida. Isso os incentiva a buscar alternativas para um futuro fazendo ciência, estudando."

Professor universitário em Natal (RN) faz quadrinhos para ensinar Física, divulgar pesquisas, e quer imprimir gibis - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
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Os movimentos de um goleiro são tema de HQ

Para abordar a importância da física na rotina das pessoas, outras histórias falam sobre a inteligência artificial e o uso cada vez mais frequente dela, mostram como a força de arrasto (força do ar sobre os movimentos) interfere nos movimentos de um goleiro, por exemplo, e tratam até de política quando o assunto é a remuneração dos docentes.

"As pessoas dizem que parece que estou ensinando minha filha, porque as histórias têm um jeito pausado", diz o autor dos quadrinhos. A filha tem 3 anos e, ainda muito longe de começar a estudar, já ouve as histórias do pai.

Falando em família, ele montou uma das histórias para explicar para a mãe o que um físico faz, com o título "Explicando pra mãe o que fazemos". Nos quadrinhos, a mãe de Farinaldo logo pergunta: "Varei, meu fi, te perguntei com o que cê trabalha e cê me traz aqui". Com ela estão os personagens representando o pai e a irmã do cientista, que responde: "Perai, calma. Irei levar cês em lugares que representam minha pesquisa".

Os quatro estão em uma caverna escura. "Cê é o Batman, por acaso", indaga a mãe. "Não, né, mainha! Em cavernas tipo essa há experimentos localizados a 3.000 metros abaixo do solo. Esses experimentos procuram por depósitos de energia vindo de partículas de matéria escura". A história prossegue com Farinaldo detalhando aos familiares o que há de importante por trás das pesquisas.

Em dado momento, a personagem da mãe de novo questiona: "Ok, mas sou enfermeira, seu pai eletricista, sua irmã recepcionista, no que isso vai melhorar a vida de povo como a gente?". Farinaldo diz que, como não trabalha com ciência ligada diretamente à tecnologia, não existe a preocupação com as aplicações imediatas. "Mas cês deveriam, né?", diz a mãe.

A história em quadrinho termina com o filho pesquisador dizendo que trabalha com coisas que darão resultados décadas à frente, e que internet, celular, ressonância magnética, por exemplo, têm dedos de físicos. "Tacamulinga, então o que cê faz é porreta!", reconhece a mãe.