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Jovem surpreende mãe faxineira ao passar em medicina no AC; assista

Caio Santana

Do UOL, em São Paulo

13/08/2021 08h48Atualizada em 13/08/2021 14h42

André Ramon Arruda Maciel, de 26 anos, conseguiu a tão sonhada aprovação no curso de medicina depois de 14 tentativas e sete provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), justamente no dia do seu aniversário, 10 de agosto. De origem humilde e criado sem o pai, ele surpreendeu sua mãe ao contar que foi aprovado em medicina.

"Mãe, eu vim lhe avisar que não era uma ilusão, era só um sonho difícil e eu passei em medicina na Universidade Federal do Acre", disse o rapaz em vídeo gravado por amigos.

Em entrevista ao UOL, ele deu detalhes da sua trajetória, as barreiras que teve de superar em busca da aprovação e os entraves do ensino público do interior do Brasil para uma família de origem pobre.

Nascido em Rio Branco, André foi rejeitado pelo pai e aos dois anos foi morar com a avó na zona rural de Acrelândia (AC). "Minha mãe conta que meu pai não queria que eu viesse ao mundo. Então ela se separou, ele sumiu. E ela teve que me criar sozinha. Justamente por isso, por faltas de condições na época, ela teve que me enviar para morar com minha avó".

Ele ficou sem estudar até os seis anos, quando entrou no ensino fundamental. A falta de alfabetização na pré-escola o fez reprovar logo na primeira série e também no ano escolar seguinte. Devido ao atraso no ensino, quando ele foi para a quinta série, entrou para o Projeto Poranga, um programa de aceleração de ensino, conseguindo voltar à série conforme sua idade.

Contudo, o ensino público acreano tinha os mesmos problemas de boa parte dos demais estados: escolas com falta de professores e salas superlotadas. "Quando terminei o terceiro ano do ensino médio eu não conseguia nem fazer 'multiplicação com vírgula', ou ler um texto de cinco linhas sem eu esquecer o que tinha lido na primeira linha". Sem nem saber o que era Enem direito, ele não tinha sequer perspectiva de faculdade.

Sete anos de luta

Como sua mãe Vilenilde Arruda Maciel, de 48 anos, estudou até o ensino fundamental, ela impulsiona seus filhos para um futuro melhor. "Como ela nunca teve chance de estudar, ela sempre quis proporcionar isso para a gente, ela sempre se sacrificou para termos condições mínimas de estudar", disse André.

Outro alicerce que ele teve no apoio dos estudos foi com o economista Pablo Marques, professor do Instituto Federal do Amazonas, que o orientou a cursar uma faculdade e financiou seus estudos, já que o salário da sua mãe como diarista e auxiliar de serviços gerais era insuficiente. Foi com esses incentivos que ele seguiu o sonho de fazer medicina.

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Pablo Marques, economista e professor do Instituto Federal do Amazonas, amigo e incentivador de André
Imagem: Reprodução/ Arquivo pessoal

"A gente sabe que no Brasil, aqui no Acre, a cultura é de que quando o jovem completa 18 ou 19 anos, ele tem que ir embora da casa da mãe para trabalhar. Isso o jovem pobre, diferente do jovem rico [que quando] está estudando é chamado de estudante. Já o jovem pobre, da minha realidade, quando eu estava estudando eu era chamado de vagabundo e me chamaram até de inútil", desabafa.

De 2014 até 2019, ano em que conseguiu vaga em cursinho renomado de Rio Branco, André não conseguiu ser aprovado. Em 2020 veio a pandemia e tudo fechou. Sua mãe a essa altura, já estava sustentando sozinha após se separar do padrasto de André uma casa inteira com sete filhos, quatro deles menores de idade.

A situação da família cuja renda per capita não passa de 250 reais piorou na pandemia: "Nesse anos todos nunca chegamos a passar fome. Mas passamos por 'muito baixo' mesmo. Ainda hoje às vezes só tem arroz e salsicha para comer. No tempo de pandemia as coisas ficaram bem feias", afirma André. "Minha mãe segura 'as pontas' sozinha, é uma guerreira", diz o filho.

Mesmo com as coisas mais complicadas, André conseguiu, com ajuda de outro amigo do bairro, continuar seus estudos de cerca de oito horas por dia e finalmente alcançar a aprovação. E ele ainda conseguia tempo para trabalhar em intervalos curtos: "Sempre limpei quintal, piscina, fiz serviço de pintura, todos os bicos que apareciam [no período] eu fiz".

foto 2 - Reprodução/ Arquivo pessoal - Reprodução/ Arquivo pessoal
Mãe e filho se abraçam emocionados em vídeo gravado por amigos de André
Imagem: Reprodução/ Arquivo pessoal

Sonho alcançado

Sua trajetória difícil até a aprovação que "não era uma ilusão", veio após conversas delicadas que ele teve com a mãe e até mesmo depois de pressões do seu então padrasto para que ele trabalhasse em emprego formal.

"Tinha certos momentos que ela até ficava um pouco desacreditada. Era um curso muito concorrido, e ela chegava para mim [e perguntava] se eu queria realmente medicina, se eu não poderia fazer outro curso. [...] Mas a gente esfriava a cabeça e sentava para conversar e ela voltava a me apoiar incondicionalmente", conta o jovem.

Vilenilde, mais conhecida como Nilde, relembra esses momentos ao falar sobre a aprovação do filho. "Estou muito feliz sim e ainda estamos digerindo tudo o que está acontecendo. Sei que meu filho é muito dedicado e perseverante, porque por algumas vezes eu mesmo cheguei a pedir para ele fazer outro curso por ver durante todos esses anos ele não ter aprovação no curso de medicina. Mas graças a Deus ele continuou tentando", disse ao UOL.

Cotista de escola pública e baixa renda, além de autodeclaração racial, André Ramon passou em medicina no dia do seu aniversário. "Feliz aniversário! Esse é o melhor presente para mamãe, viu?! Parabéns mesmo", falou a mãe emocionada no vídeo que ele revela sua aprovação.

Hoje, André conta com orgulho seu caminho e diz ainda estar digerindo sua aprovação: "Estou me sentindo muito feliz, realizado e meio anestesiado ainda. Para mim, é uma grande oportunidade de mudar de vida, construir a casa da minha mãe que ainda é de madeira. É um segundo grande sonho que eu tenho, de um dia fazer uma casa para a minha mãe", planeja.