TCU: Quatro em cada dez professores da rede pública têm formação inadequada
Quatro em cada dez professores do ensino básico da rede pública têm formação inadequada no Brasil, avaliou o TCU (Tribunal de Contas da União) em relatório.
Qual o problema?
Todos os professores deveriam ter formação adequada até 2024. Em 2014, o MEC (Ministério da Educação) publicou o planejamento para a década seguinte, com as "20 Metas do Plano Nacional de Educação". Uma dessas metas, a de número 15, previa que, até o ano que vem, todos os professores da educação básica da rede pública estariam com o ensino superior adequado às suas áreas de conhecimento.
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Naquele momento, era comum que professores, sem formação específica, estivessem engajados em aulas de matemática, física, química, biologia, entre outras.
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A meta, no entanto, está longe de ser atingida. Em fiscalização concluída no final de junho, o tribunal avaliou a execução da meta 15 até 2020, quando chegou à conclusão de que, em média, 37,4% dos professores que dão aula para crianças e adolescentes da rede pública ainda têm formação inadequada no Brasil.
Situação era pior em 2013. Naquele ano, 49,5% desses professores não estavam devidamente formados. "Apesar do crescimento, estes percentuais estão bastante defasados em relação à meta [para 2024] de 100% [de formados] em todas as etapas da educação básica", diz o TCU.
MEC diz oferecer bolsas. Em nota, o ministério mencionou a criação de um grupo de trabalho para "propor políticas de melhoria da formação inicial de docentes". Outra medida foi ampliar para 90 mil e 100 mil o número de bolsas para iniciação à docência em 2023 e 2024, respectivamente.
"O MEC está trabalhando na formatação de um política nacional de alfabetização", diz a pasta. "O ministério tem ainda os programas de formação continuada oferecidos para estados e municípios."
Projetos de capacitação não vingam
O TCU analisou os três projetos de formação de professores que a União criou para atingir a meta.
Um deles é o Pril (Programa Institucional de Fomento e Indução da Inovação da Formação Inicial Continuada de Professores e Diretores), formado para aperfeiçoamento "inovador" dos currículos de professores já formados.
Universidades rejeitam projeto. Embora o programa financie universidades para que ofereçam os cursos, "a maior dificuldade" do Pril é a "baixa adesão" dessas instituições. Elas afirmam que o programa "afrontaria a autonomia da universidade" na oferta de cursos como esse, "com baixa demanda de jovens", diz o MEC.
Já o Parfor (Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica) oferece cursos de licenciatura na área em que os professores já atuam. Além de a verba para o programa ter caído 65% entre 2019 e 2021 (os valores não foram informados), a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) alega que a alta rotatividade de professores temporários "inviabiliza o acompanhamento do programa", uma vez que os professores matriculados hoje podem deixar a docência no ano seguinte.
Falta apoio logístico e financeiro por parte das secretarias de educação para a participação e permanência dos seus professores nos cursos do Parfor.
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O terceiro programa é o UAB (Sistema Universidade Aberta do Brasil). Os cursos de licenciatura e aperfeiçoamento de professores são oferecidos a distância, "de forma a expandir e interiorizar a oferta de cursos de educação superior no país". O corte de verba do programa, porém, atingiu 28% entre 2019 e 2021.
Bolsonaro reduziu articulação
O TCU também criticou a falta de articulação do governo. A "falta de interação" entre os órgãos do MEC —como a Capes, e a SEB (Secretária de Educação Básica)—, secretarias estaduais e municipais de educação e as universidades gera "conflitos de atuação, que tendem a desfavorecer os resultados".
A baixa articulação e o reduzido alinhamento entre o MEC e sua entidade vinculada, Capes, podem acarretar sobreposições de ações e duplicidades de esforços, que poderiam ser mais bem coordenados a partir do diálogo.
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Essa articulação foi comprometida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em fevereiro de 2019, ele extinguiu a Sase (Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino), responsável justamente por articular o Plano Nacional de Educação. A secretaria foi recriada este ano.
"Havia uma rede que ajudava estados e municípios na execução de políticas integradas", diz Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação). "Mas o MEC preferiu executar projetos pontuais, como as escolas cívico-militares."
O UOL procurou a assessoria do ex-presidente, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Educação universal é precária
Professores mal formados reproduzem educação ultrapassada. "São docentes que, sem formação técnica, atuam quase como voluntários, reproduzindo modelos antiquados de quando eles foram alunos", diz Garcia, que também é secretário de Educação do município de Sud Mennucci (SP).
O resultado é a evasão escolar sobretudo no ensino médio, com alunos tendo acesso a trabalho informal.
Luiz Miguel Martins Garcia, da Undime
Universalizar acesso é insuficiente. O especialista elogia a universalização do acesso à educação a partir dos anos 1990, mas diz que "está demorando o salto de qualidade".
"Há pouco interesse pela carreira docente", diz. "Os alunos que optam pela profissão têm as menores médias no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Isso forma professores com baixo embasamento cultural para motivar os alunos."
O sucateamento da profissão, a começar pelos baixos salários, empurra os grandes profissionais para outros campos. Os melhores matemáticos vão para o mercado financeiro, não para as salas de aula.
Luiz Miguel Martins Garcia, da Undime