Gestão Tarcísio 'ensina' que capital tem praia e Pedro 2º assinou Lei Áurea
Adriana Ferraz
Colaboração para o UOL
31/08/2023 10h57Atualizada em 31/08/2023 17h24
Parte do material digital produzido pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para ser aplicado em salas de aula apresenta erros graves de informação em disciplinas como história e biologia.
O que aconteceu
Conteúdo da Secretaria de Estado da Educação, comandada por Renato Feder, ao qual a reportagem teve acesso afirma ter sido Dom Pedro 2º, e não sua filha, a Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea em 1888, colocando fim à escravidão no Brasil.
Relacionadas
A Secretaria de Estado da Educação disse que afastou os responsáveis pelos "graves erros". A pasta afirmou que a coordenadoria pedagógica vai reforçar a equipe de revisão para que haja aprimoramentos constantes nos recursos didáticos, sempre em total harmonia com o currículo paulista.
A informação equivocada sobre a abolição está nos slides de história elaborados para os alunos do 8º ano do ensino fundamental. Segundo o UOL apurou, alguns diretores têm orientado os docentes a "pular" essa parte da aula, dedicada ao período conhecido como o Segundo Reinado, de Dom Pedro 2º.
Em um outro conteúdo de história, destinado a estudantes do 9º ano do ensino fundamental, o governo paulista afirma que a cidade de São Paulo tem praias. O erro está em uma aula referente à rápida passagem de Jânio Quadros pela Presidência da República.
"A proibição do uso de biquínis foi adotada por Jânio Quadros em 1961, quando ele era prefeito de São Paulo. Ele emitiu um decreto vetando o uso de biquínis nas praias da cidade", diz o texto.
Os slides com erros de informação fazem parte de um material 100% digital produzido pela secretaria para aplicação nas 5.300 escolas do estado. Em abril, quando foi lançado,1.400 aulas de formação já estavam disponíveis no sistema como forma de complemento à rotina escolar. Hoje, são mais de 6.000 aulas prontas.
O secretário Renato Feder anunciou em agosto que o governo iria usar os slides como conteúdo único de formação, abrindo mão de aproximadamente 10 milhões de livros fornecidos pelo Ministério da Educação. Após repercussão negativa da medida, a gestão Tarcísio recuou. Antes disso, no entanto, o governador chegou a afirmar que o material digital foi criado para "aprofundar o conteúdo".
O que dizem os especialistas
Historiador da abolição, Vitor Hugo Monteiro Franco, autor do livro "Escravos da Religião", diz que o conteúdo revela um erro factual, já que a lei foi assinada pela filha do imperador que, naquele momento, estava na posição de princesa regente. O imperador nem estava no Brasil em 13 de maio daquele ano.
E hoje os historiadores têm evidenciado para além da Princesa Isabel. Houve outros atores políticos muito importantes no processo da abolição, que não foi uma dádiva do governo imperial, mas o resultado de diversas lutas políticas travadas por pessoas negras livres e libertas e pelos próprios escravizados
Jânio realmente proibiu o biquíni, mas quando presidente e nas praias do Brasil —até porque a capital paulista não fica no litoral. Jânio foi de fato prefeito da capital, mas em períodos distintos do relatado pela aula digital: de 1953 a 1955 e de 1986 a 1988.
Ele era um político controverso que emergiu se colocando como solução para os problemas da corrupção e da moralidade. Criava fatos, como a proibição de uso de biquínis, e também da briga de galo, para chamar atenção para si
Marco Antonio Teixeira, cientista político da Fundação Getulio Vargas de São Paulo
Parkinson e Alzheimer pela água
O slide 9, da aula 5 de um material digital de ciências para o 7º ano do ensino fundamental, afirma que a água pode transmitir Parkinson, Alzheimer e depressão, caso a mesma esteja contaminada por mercúrio, agrotóxicos, remédios e produtos químicos em geral.
"Além da ingestão de metais pesados, como mercúrio, agrotóxicos, remédios e produtos químicos em geral, que podem causar doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer, perda de concentração e deficiência de memória, além de problemas cognitivos, depressão e transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH)", afirma o texto, cujo título é "Transmissão de doenças através da água".
Para o infectologista Marcos Boulos, professor titular de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP, "não há base científica para tais afirmações", que, segundo ele, são "temerárias". "Isso é um desserviço, é ensinar pelo terror", afirma.
Segundo o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a secretaria está provocando uma confusão.
As doenças infectocontagiosas têm como uma de suas formas de contágio a água não tratada. Já as doenças crônicas podem ter como fonte de geração o acúmulo de produtos tóxicos ou potencialmente tóxicos. Mas pode ser é diferente de ser. Isso desinforma como está exposto
Gonzalo Vecina Neto